Paternidade sócio-afetiva se sobrepõe à biológica e não pode ser anulada

 

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O entendimento é do juiz Luís Antônio de Abreu Johnson, da Comarca de Lajeado, Rio Grande do Sul, que negou pedido de homem que pretendia desconstituir a paternidade.

Dez anos se passaram desde o nascimento da filha até o ajuizamento da ação. Segundo o juiz, houve convivência, troca, afeto e a menina foi apresentada à sociedade como filha e ele como pai dela. Assim, para o juiz, foi criada a ideia de pertencimento.

Segundo a filha, o pedido deveria ser julgado improcedente, já que o autor sabia que a menina não era sua descendente biológica e mesmo assim a registrou por vontade própria.

Ao avaliar o caso, o juiz considerou que houve larga convivência no grupo familiar e a solicitação objetiva, na verdade, era deixar de sustentar a garota.

Johnson assinalou que os artigos 1601 e 1064 do Código Civil estabelecem que a paternidade pode ser contestada em caso de erro ou falsidade do registro. No entanto, no caso em tela, não se está diante nem de erro nem de falsidade do registro, já que existe a paternidade socioafetiva entre o autor e a filha, concluiu.

Com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Processo 017/110.000.058.977
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Gestante tem direito a estabilidade provisória desde o momento da concepção

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Não importa a data em que a gravidez foi formalmente atestada por exame: a gestante tem direito à estabilidade no emprego desde  o momento da concepção. Se esta ocorreu no curso do contrato de trabalho, é o quanto basta para o reconhecimento da estabilidade provisória. Com esse entendimento, a Turma Recursal de Juiz de Fora julgou favoravelmente o recurso de uma trabalhadora e declarou nula a dispensa, determinando a sua reintegração aos quadros do supermercado onde trabalhava. O voto foi proferido pela juíza convocada Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim.

O juiz de 1º Grau havia indeferido o pedido, ao fundamento de que não havia gravidez confirmada a impedir que o supermercado dispensasse a empregada. É que ela própria somente soube que estava grávida após ser dispensada. A confirmação da gravidez por meio de exames ocorreu em data bem posterior ao rompimento do contrato de trabalho.

Mas a relatora do recurso apresentado pela trabalhadora pensa diferente. Segundo ponderou, ainda que o exame que noticiou a gravidez tenha sido realizado após a rescisão contratual, o certo é que a trabalhadora já se encontrava grávida quando foi dispensada. O exame somente atestou a concepção, que se deu durante o contrato de trabalho. Assim, a trabalhadora tem direito à estabilidade provisória no emprego, conforme previsto na alínea “b” do artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O dispositivo veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Segundo esclareceu a relatora, é irrelevante o desconhecimento, pela empregada, de que estava grávida quando o contrato de trabalho foi rompido. Isto porque a estabilidade não se dirige apenas à gestante, mas também ao bebê, visando a assegurar o seu bem-estar. Também é objetivo da lei proteger o emprego contra a despedida arbitrária, resguardando a futura mãe de possível discriminação. Nem mesmo o desconhecimento da gravidez pelo empregador afasta a garantia de emprego, conforme entendimento pacificado na Súmula 244, item I, do TST.

A julgadora lembrou que, de acordo com o atual entendimento do TST, a “confirmação da gravidez” corresponde ao momento da concepção. A responsabilidade do empregador, no caso, é objetiva. Assim, ao despedir uma empregada o patrão corre o risco de que ela esteja grávida e tenha direito à estabilidade provisória do emprego. “Recai sobre o empregador o ônus de, ao despedir a empregada grávida, arcar com a obrigação de reintegrá-la, respondendo pelos salários do período correspondente à dispensa, ou com o pagamento da indenização substitutiva, em decorrência da responsabilidade objetiva da empresa nessa matéria”, frisou.

Com essas considerações, a magistrada declarou nula a rescisão do contrato de trabalho e determinou a imediata reintegração da trabalhadora, condenando o supermercado ao pagamento dos salários vencidos e vincendos desde a data da dispensa até a efetiva reintegração, garantindo-se à reclamante todos os direitos, legais e convencionais, do período da estabilidade, assim como a mesma função e unidade de trabalho. A Turma julgadora acompanhou o entendimento, por maioria de votos.

( 0000351-30.2012.5.03.0038 RO )

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Preclusão não atinge impenhorabilidade de bem de família alegada só na apelação

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A arguição de impenhorabilidade do bem de família é válida mesmo que só ocorra no momento da apelação, pois, sendo matéria de ordem pública, passível de ser conhecida pelo julgador a qualquer momento até a arrematação, e se ainda não foi objeto de decisão no processo, não está sujeita à preclusão.

Com base nesse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento unânime, rejeitou recurso especial interposto por um espólio contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que havia reconhecido um imóvel como bem de família e declarado sua impenhorabilidade.

O espólio moveu execução contra o avalista de uma nota promissória, afirmando tratar-se de dívida decorrente da fiança de aluguel, e requereu a penhora de imóvel. O executado ajuizou embargos à execução, com a alegação de que a penhora configuraria excesso de garantia, uma vez que o valor do patrimônio seria superior ao da dívida. Apontou ainda que já teria havido penhora da renda de outro devedor solidário.

Novo argumento

Os embargos foram rejeitados em primeira instância. Na apelação contra essa decisão, o devedor acrescentou o argumento de que o imóvel seria impenhorável, por constituir bem de família, invocando a proteção da Lei 8.009/90. O recurso foi provido pelo TJRJ, que reconheceu tratar-se de imóvel residencial utilizado como moradia familiar, e afastou a penhora. O TJRJ entendeu também que não havia sido comprovado pelo espólio que a dívida cobrada era decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Não satisfeito com a decisão do tribunal fluminense, o espólio entrou no STJ com recurso especial, alegando que a questão da impenhorabilidade com base na Lei 8.009 estaria preclusa, por não ter sido levantada no momento oportuno, ainda nos embargos apresentados em primeira instância, mas apenas na apelação.

Sustentou também que a proteção dada pela Lei 8.009 ao bem de família deveria ser afastada no caso, pois o artigo 3º da lei admite a penhora quando se tratar de dívida oriunda de fiança prestada em contrato de locação. O espólio afirmou ainda que o ônus da prova acerca da impenhorabilidade recai sobre o devedor/executado e não sobre o credor/exequente.

Ordem pública

Ao analisar o recurso, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, observou não haver violação de lei por parte do TJRJ. O ministro disse que a inexistência de provas sobre a alegada origem da dívida em fiança de locação foi afirmada pelo tribunal estadual e não poderia ser revista pelo STJ, ao qual não compete reexaminar provas e cláusulas contratuais em recurso especial (Súmulas 5 e 7).

Quanto à preclusão, o ministro Salomão observou que há distinção entre as hipóteses em que a questão já foi alegada e decidida no processo, e aquelas em que a alegação advém tardiamente, depois de apresentada a defesa de mérito do devedor.

Na primeira hipótese, segundo ele, a jurisprudência entende que o magistrado não pode reformar decisão em que já foi definida a questão da impenhorabilidade do bem de família à luz da Lei 8.009, porque a matéria estaria preclusa. A propósito, o relator mencionou o artigo 473 do Código de Processo Civil: “É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão.”

Na segunda hipótese, quando não existe alegação, tampouco decisão, não se pode falar em preclusão. Nesse caso, “a impenhorabilidade do bem de família é matéria de ordem pública, dela podendo conhecer o juízo a qualquer momento, antes da arrematação do imóvel”.

O relator observou que eventual má-fé do réu que não alega, no momento oportuno, fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, com intenção protelatória, pode ser punida com condenação em custas e perda de honorários advocatícios. Isso, porém, não se verificou no caso em julgamento.

Questão irrelevante

Sobre o ônus da prova, Luis Felipe Salomão afirmou que, como regra, ele cabe a quem alega a impenhorabilidade do bem de família. Afinal, o devedor responde por suas dívidas com todos os seus bens, e por isso “consubstancia exceção a oposição da impenhorabilidade do bem de família, devendo ser considerada fato impeditivo do direito do autor, recaindo sobre o réu o ônus de prová-lo”.

No caso em julgamento, porém, o ministro entendeu que o ônus da prova não deveria ser usado para solução da controvérsia. “Somente há necessidade de a solução do litígio se apoiar no ônus da prova quando não houver provas dos fatos ou quando essas se mostrarem insuficientes a que o julgador externe com segurança a solução que se lhe afigure a mais acertada”, explicou.

Para Salomão, essa questão é irrelevante no caso, pois o TJRJ concluiu pela caracterização do bem de família com base em elementos probatórios existentes no processo, não no uso da técnica do ônus da prova. Um desses elementos foi a indicação do imóvel como endereço do devedor, feita pelo próprio autor da execução.

Diante dessas observações, o colegiado negou provimento ao recurso do credor.

REsp 981532

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Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras

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Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que assim estabelece: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”

A 4.ª Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região negou provimento a apelação proposta pela Caixa Econômica Federal (CEF) com o fim de garantir a anulação do processo administrativo que tramitou perante o Procon de Tocantins e que culminou na aplicação de multa no valor de 200 unidades fiscais de referência (UFIRs).

A CEF sustenta, na apelação, a falta de competência do Procon para o julgamento de recursos administrativos e aplicação de multa a instituições financeiras, “ante a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, tendo em vista que os bancos se sujeitam a normas emanadas pelo Banco Central do Brasil“.

Para o relator, juiz federal convocado Rodrigo Navarro de Oliveira, os argumentos da CEF não merecem prosperar. O magistrado citou entendimento do próprio TRF da 1.ª Região no sentido de que “cabe ao PROCON a aplicação de penalidades administrativas às instituições financeiras, embora estas também sejam controladas pelo Banco Central, pois qualquer pessoa física ou jurídica pode ser fiscalizada por inúmeros órgãos, cada um deles em aspectos próprios e específicos”.

O relator finalizou seu voto citando o enunciado da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que assim estabelece: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

A Turma Suplementar, de forma unânime, negou, então, provimento ao recurso.

Processo nº 0000728-09.2002.4.01.4300

Tribunal Regional Federal da 1ª Região determina fornecimento de remédio de alto custo pelo Estado

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A 6.ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região mantém decisão de primeiro grau que determinou que a União fornecesse medicamento importado, sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a cidadão que sofre da doença hemoglobinúria paroxística noturna.

A União considerou que a decisão representaria um privilégio desproporcional, pois o fornecimento do medicamento alcançaria a importância de R$ 687.960,00 (seiscentos e oitenta e sete mil, novecentos e sessenta reais).

O relator, desembargador federal Jirair Jair Meguerian, sustentou que o direito à saúde é garantido pela Constituição (art. 196) e que a responsabilidade pelo fornecimento de medicamento e de tratamento de saúde é atribuída ao Estado, em solidariedade com os demais entes federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios). Dessa forma, se o medicamento prescrito é essencial para garantir a vida do cidadão, torna-se insubsistente toda e qualquer consideração de ordem financeira ou orçamentária.

Destacou, também, decisão do Supremo Tribunal Federal sobre caso semelhante, salientando que “a medicação Eculizumab-Soliris, apesar de importada e não estar registrada na ANVISA, é reconhecida pela comunidade médica como única medicação eficaz para o tratamento da doença Hemoglobinúria Paroxística Noturna.” (SS 4316, Relator Ministro Cézar Peluso, julgado em 07/06/2011, publicado em Processo Eletrônico DJe 112, divulgado em 10/06/2011 e publicado em 13/06/2011).

Processo nº 0049087-71.2011.4.01.0000/AC

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É irrelevante consentimento de menor para caracterizar submissão à prostituição

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(…) “Em primeira instância, eles foram condenados à pena de quatro anos e nove meses de reclusão, em regime fechado. Contra essa decisão, a defesa apelou ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que absolveu os réus, com fundamento na anterior redação do artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal (CPP): não existir prova suficiente para a condenação.

Segundo aquele tribunal, para a caracterização do crime de submissão de menor à prostituição, é necessário que haja conduta comissiva dos réus no sentido de impor a prática sexual à vítima, mediante pagamento. O tribunal considerou as provas de que a menor, com 15 anos na data em que fazia programas na boate, exercia por vontade própria a prostituição desde os 12 anos de idade e que, depois da prisão dos acusados, continuou fazendo programas.” (…)

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O consentimento da criança ou adolescente, ou o fato de ela exercer a prostituição, não descaracteriza o crime de submissão à prostituição ou exploração sexual previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).  Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul para restabelecer a condenação de dois homens por submeterem adolescente de 15 anos à prostituição.

Em 2002, o proprietário e o gerente de uma boate, localizada em Westfália (RS), foram denunciados pela prática do crime previsto no artigo 244-A do ECA (Lei 8.069/90): submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual.

Em primeira instância, eles foram condenados à pena de quatro anos e nove meses de reclusão, em regime fechado. Contra essa decisão, a defesa apelou ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que absolveu os réus, com fundamento na anterior redação do artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal (CPP): não existir prova suficiente para a condenação.

Segundo aquele tribunal, para a caracterização do crime de submissão de menor à prostituição, é necessário que haja conduta comissiva dos réus no sentido de impor a prática sexual à vítima, mediante pagamento. O tribunal considerou as provas de que a menor, com 15 anos na data em que fazia programas na boate, exercia por vontade própria a prostituição desde os 12 anos de idade e que, depois da prisão dos acusados, continuou fazendo programas.

Incapacidade de escolha

O Ministério Público estadual interpôs recurso especial no STJ sustentando que, para configurar o crime previsto no artigo 244-A do ECA, não é necessário que a vítima se oponha aos atos de coerção ou submissão, uma vez que o estatuto protetivo já pressupõe sua hipossuficiência volitiva, a ensejar maior tutela estatal.

Argumentou que o acórdão expressamente afirmou que os acusados mantinham estabelecimento comercial, onde propiciavam condições para a prostituição da menor, caracterizando os elementos constitutivos do crime.

A relatora do recurso especial, ministra Laurita Vaz, explicou que “o núcleo do tipo – ‘submeter’ – não exige que o sujeito ativo afronte a vítima com a possível utilização da força, para que ela seja submetida à prostituição ou à exploração sexual. Até porque, se fosse esse o caso, estar-se-ia diante do crime de estupro, previsto no artigo 213 do Código Penal, no qual o constrangimento à conjunção carnal é feito ‘mediante violência ou grave ameaça'”.

Em seu entendimento, o fundamento de que a adolescente já exercia anteriormente a prostituição como meio de vida não exclui a tipificação do delito. “O bem juridicamente tutelado é a formação moral da criança ou do adolescente, para proteger a peculiar condição da pessoa em desenvolvimento”, disse a ministra.

Ela citou posicionamento do ministro Arnaldo Esteves Lima no julgamento de outro recurso especial referente ao mesmo caso: “É irrelevante o consentimento da vítima, que contava com 15 anos na data dos fatos, uma vez que a ofendida não tem capacidade para assentir.”

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
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Tribunal do Júri absolve acusada de tentar matar filho para libertá-lo de “estado vegetativo”

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Para quem não percebe ou não quer perceber o que está por vir quanto à questão da vida humana …, depois da última decisão do STF sobre o assunto, na ADPF 54.

“Em julgamento, tanto o Ministério Público como a Defesa, dispensaram os depoimentos de todas as testemunhas e pediram pela absolvição da acusada.”

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O Tribunal do Júri de Brasília absolveu na manhã de ontem (18/4), a senhora I.G.B., viúva e pensionista, de 79 anos, acusada da tentativa de homicídio do filho I.A.B.J., que vivia em estado vegetativo. O Julgamento foi concluído por volta do meio dia. O suposto crime teria acontecido em 2003 quando testemunhas a teriam visto tentar asfixiar o rapaz com travesseiro por duas vezes e, em outra ocasião, interromper o suprimento de oxigênio ao qual estava ligado.

A ré respondeu ao processo em liberdade e foi pronunciada em outubro de 2009 para ser julgada hoje com base no art. 121, § 2º, inciso III c.c. art. 14, inciso II, do Código Penal, por tentativa de homicídio qualificado pelo uso de asfixia. A materialidade do crime e os indícios de autoria foram demonstrados por prova testemunhal.

Em julgamento, tanto o Ministério Público como a Defesa, dispensaram os depoimentos de todas as testemunhas e pediram pela absolvição da acusada.

O representante do Ministério Público, em debate, afirmou que a pena, neste caso, não teria função de regenerar, nem função social. E, após esclarecer sobre a vida pregressa da ré (perda do marido, acometido de câncer, seis meses antes da parada respiratória do filho, de 42 anos de idade) e seu estado de saúde debilitado, concluiu afirmando: não tenho autoridade de pedir, seja jurídica, seja moral, que D. I.G.B. seja condenada. Pena ela não merece. O MP salientou, ainda, que a ré prestou cuidados, em sua residência, ao seu companheiro acometido de câncer, durante um ano e meio antes de seu falecimento.

A Defesa, ao pedir pela absolvição pela negativa de materialidade, ressaltou que, após as denúncias, a suposta vítima, que teria passado a receber os cuidados em ambiente hospitalar, voltou para a casa da mãe e lá ficou por mais três anos e meio, até a sua morte, causada por complicações de seu estado de saúde. A Defesa, além disso, lembrou mais um drama familiar vivido pela acusada: a perda de uma filha, anos atrás, com câncer no útero.

Após a votação do Conselho de Sentença e de acordo com a decisão soberana dos jurados, o juiz presidente da sessão absolveu a acusada em relação ao crime que lhe foi imputado.

Nº do processo: 2003.01.1.073682-6

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Ausência de ofensa à intimidade, honra ou imagem descaracteriza dano moral

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A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região negou provimento à apelação proposta por um ex-servidor público contra decisão de primeira instância que não reconheceu direito ao autor de receber indenização ou compensação por danos materiais e morais em razão de seu desligamento e posterior retorno ao serviço público.

No recurso, o recorrente alega que os danos material e moral foram comprovados e devem ser ressarcidos à luz da melhor interpretação da norma legislativa. Sustenta, também, que foi injustamente demitido do serviço público porque participava de movimento grevista. Segundo ele, a demissão ocorreu quando faltava apenas cinco dias para que alcançasse a estabilidade.

Ao analisar o caso, a relatora, desembargadora federal Selene Maria de Almeida, afirmou que, não tendo sido o autor, em momento algum, servidor de cargo de provimento efetivo, mas sim celetista, “a única indenização a título de dano material que lhe seria cabível seria o correspondente às verbas indenizatórias trabalhistas, as quais foram devidamente pagas.”

No que tange à indenização por danos morais, destaca a relatora: “é igualmente incabível, pois não restou claramente demonstrado ofensa à intimidade, honra ou imagem do autor.” Para a magistrada, o simples fato de ter sido colocado em disponibilidade remunerada em razão de sua instabilidade no serviço público não é suficiente para configurar dano moral.

Processo nº 132481420044013400

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Voto do Ministro Ricardo Lewandowski: o STF não tem competência para decidir sobre matéria de competência do Poder Legislativo

O mais importante voto proferido na ADPF 54 foi o do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, pois examinou antes de mais nada, tal como deve ser a prestação jurisdicional, SE o STF tinha ou não tinha competência para decidir sobre a matéria proposta naquela ADPF, sem estar USURPANDO os poderes do Poder Legislativo. O Ministro considerou que o STF não podia se dar por competente para julgar o que era matéria de decisão do Poder Legislativo.  Seu voto segue abaixo no seu inteiro teor.

Celso Galli Coimbra
OABRS 11352
cgcoimbra@gmail.com
 
 

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ADPF 54/DF

VOTO DO MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

I – BREVE RELATÓRIO

Cuida-se de ação de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde – CNTS, com o fim de lograr “interpretação conforme a Constituição da disciplina legal dada ao aborto pela legislação penal infraconstitucional, para explicitar que ela não se aplica aos casos de antecipação terapêutica do parto na hipótese de fetos portadores de anencefalia, devidamente certificada por médico habilitado.”

A CNTS sustenta, em suma, que a interpretação dos arts. 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal, que leva à proibição da antecipação do parto, por motivos terapêuticos, no caso de fetos anencefálicos, viola os preceitos fundamentais abrigados nos arts. 1º, IV (princípio dignidade da pessoa humana), 5º, II (princípios da legalidade e autonomia da vontade humana), 6º, caput, e 196 (direito à saúde), todos da Carta da República.

Alega, ainda, que a anencefalia corresponde a uma má-formação fetal, incompatível com a vida extra-uterina, que caracterizaria uma gravidez de risco, constituindo a antecipação do parto a única indicação terapêutica “para o tratamento eficaz da paciente (a gestante) já que para reverter a inviabilidade do feto não há solução”.

O feito foi distribuído ao Ministro Marco

Aurélio, que deferiu o pedido de liminar requerido pela autora, tendo o Plenário desta Suprema Corte cassado a sua decisão monocrática, por considerá-la satisfativa, em razão da irreversibilidade dos procedimentos médico deles decorrentes.

O parecer do Procurador-Geral da República à época, Claudio Fonteles, foi pela improcedência da ação.

II – DA LEGISLAÇÃO PENAL VIGENTE

Transcrevo abaixo, para melhor compreensão da matéria, os dispositivos do Código Penal cuja interpretação conforme a Constituição a autora requer.

Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena – detenção, de um a três anos.

(…)

Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena – reclusão de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maios de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

(…)

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Como se vê, o objeto jurídico dos citados preceitos da legislação penal vigente, quer dizer, os bens ou valores que o legislador pretendeu preservar são de duas ordens: de um lado, a vida do nascituro; de outro, em especial no abortamento provocado por terceiro, a vida e a incolumidade física e psíquica da gestante. 1

O art. 124 do Código Penal abriga duas figuras típicas: na primeira parte do dispositivo, o aborto cometido pela própria gestante, também denominado de autoaborto; na outra, a morte do feto provocada com o consentimento desta, ou seja, permitindo que outra pessoa pratique o aborto.

Na segunda figura, em que há o consentimento da gestante, o crime é duplo. A gestante é enquadrada no art. 124, ao passo que aquele que executa os atos materiais do aborto incide nas penas do art. 126, as quais são mais graves do que
as do dispositivo anterior. 2

O legislador infraconstitucional, todavia, isentou de pena, em caráter excepcional, o aborto, desde que praticado por médico, em duas únicas hipóteses, taxativamente definidas: no chamado “aborto necessário” e no denominado “aborto sentimental”, caracterizados, respectivamente, nos incs. I e II do art. 128 do Codex repressivo.

(1 DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 6ª ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 268.
2Idem, p. 269.)

O primeiro, também conhecido como “terapêutico”, materializa-se quando “não há outro meio de salvar a vida da gestante”. Já o segundo, evidencia-se quando a gravidez resultar de estupro praticado com violência, real ou presumida.

Celso Delmanto e outros renomados criminalistas, estudando o aborto necessário ou terapêutico, embora tecendo críticas ao instituto, reconhecem que ele “não legitima o chamado aborto eugenésico, ainda que seja provável ou até mesmo certo que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável”. 3 Em outras palavras, o legislador, de modo explícito e deliberado, não afastou a punibilidade da interrupção da gravidez nessas situações. Quer dizer, considerou penalmente imputável o abortamento induzido de um feto mal formado.

E não se diga que à época da promulgação do Código Penal ou de sua reforma, levadas a efeito, respectivamente, por meio do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e da Lei 7.209, de 11 de junho de 1984, não existiam métodos científicos para detectar eventual degeneração fetal. Como se sabe, os diagnósticos de deformidades ou patologias fetais, realizados mediante as mais

(3Idem, ibidem, grifos meus.)

distintas técnicas, a começar do exame do líquido amniótico, já se encontram de longa data à disposição da Medicina. 4

Permito-me insistir nesse aspecto: caso o desejasse, o Congresso Nacional, intérprete último da vontade soberana do povo, considerando o instrumental científico que se acha há anos sob o domínio dos obstetras, poderia ter alterado a legislação criminal vigente para incluir o aborto de fetos anencéfalos, dentre as hipóteses de interrupção da gravidez isenta de punição. Mas até o presente momento, os parlamentares, legítimos representantes da soberania popular, houveram por bem manter intacta a lei penal no tocante ao aborto, em particular quanto às duas únicas hipóteses nas quais se admite a interferência externa no curso regular da gestação, sem que a mãe ou um terceiro sejam apenados.

III – DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

Data da Antiguidade Clássica a discussão epistemológica sobre a possibilidade do conhecimento da realidade circundante, isto é, do mundo fenomenológico. Xenófanes, por exemplo, prenunciando o ceticismo que caracterizaria o Iluminismo Grego, cujo clímax se deu em Atenas, no século V a. C., deixou-nos, a propósito, a seguinte observação: “A verdade certa, homem nenhum conheceu, nem conhecerá”. 5 Em que pesem, contudo, as múltiplas divergências gnosiológicas, todas as correntes filosóficas que se debruçaram sobre o tema concluíram que conhecer o real implica interpretá-lo de alguma maneira.

4 http://www.bsc.gwu.edu/mfmu/history.pdf. Acesso em 10 de abril de
2012.

A compreensão dos textos escritos, de um modo geral, incluída a dos livros sagrados e diplomas normativos, também exige um esforço hermenêutico daqueles que pretendem desvendar o seu exato sentido.

No caso dos textos legais, raramente a mens legis se revela de imediato. Com efeito, na maior parte das vezes, o preciso significado de um preceito jurídico só pode ser alcançado mediante um esforço exegético que exige a combinação de vários métodos hermenêuticos: o gramatical, o sistemático, o histórico, o teleológico, dentre outros.

(5 Apud TARNAS. Richard. A epopéia do pensamento ocidental: para compreender as ideias que moldaram nossa visão de mundo. 7ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p. 39.)

Não bastasse isso, as normas legais ordinárias – tendo em conta o postulado da supremacia da Constituição, da qual nos fala Hans
Kelsen 6 – devem ser ainda confrontadas com os princípios e regras nela abrigados, pois dela é aquelas retiram sua validade, tal como o gigante mítico Antão hauria da mãe Gaia a prodigiosa força que exibia. Por essa razão é que, mediante o controle de constitucionalidade, concentrado ou difuso – este último realizado sempre em face de um caso concreto – torna-se possível extirpar do ordenamento jurídico uma lei ou ato normativo que esteja em desconformidade com o Texto Magno.

Dado, porém, o princípio básico da conservação das normas – que deriva da presunção de constitucionalidade destas – é possível ou, melhor, desejável, desde que respeitados seus fins, conferir-lhes uma interpretação conforme a Lei Maior, sem declará-las inconstitucionais. Essa é precisamente a lição de Konrad Hesse, para o qual “uma lei não deve ser considerada nula quando ela pode ser interpretada em consonância com a Constituição”. 7

(6 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 3ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 102.
7 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República
Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, 1998, pp. 71-72.)

Isso porque, como explica Uadi Lammêgo Bulos, esse método de interpretação funda-se na “lógica do razoável”, cogitada por Chaim Perelman, de acordo com a qual se deve presumir a obediência do legislador aos ditames constitucionais, sem, contudo, deixar-se de lado, ao interpretar a lei, as questões políticas, econômicas e sociais correspondentes ao contexto fático sobre as quais as normas da Constituição incidem. 8

Com efeito, segundo assenta Paulo Bonavides, é de presumir-se, “da parte do legislador, como uma constante ou regra, a vontade de respeitar a Constituição, a disposição de não infringi-la”.9

Daí porque “o método é relevante para o controle da constitucionalidade das leis e seu emprego dentro de razoáveis limites representa, em face dos demais instrumentos interpretativos, uma das mais seguras alternativas de que pode dispor o aparelho judicial para evitar a declaração de nulidade das leis”. 10

Em resumo, a interpretação conforme a Constituição configura método preferível à pura e simples declaração de inconstitucionalidade, quando mais não seja em homenagem à vontade soberana do legislador.

(8 BULOS, Uadi Lammêgo. Manual de Interpretação Constitucional. São
Paulo: Saraiva, 1997, p. 54.
9 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª. ed. São
Paulo:Malheiros, 2009, p. 519.
10 Idem, p. 524.)

IV – DOS LIMITES DA INTERPRETAÇÂO CONFORME

Cumpre registrar, por oportuno, que a tarefa dos exegetas, não raro, esbarra em limites objetivos, em obstáculos insuperáveis,

representados pela univocidade das palavras, os quais impedem que, em linguagem popular, “se dê o dito pelo não dito” ou vice versa.

Nessa linha de raciocínio, a tão criticada – e de há muito superada – Escola da Exegese, que pontificou na França no século XIX, na esteira da edição do Código Civil Napoleônico, legou-nos uma assertiva de difícil, senão impossível, contestação: In claris cessat interpretatio. Ou seja, quando a lei é clara não há espaço para a interpretação. 11

Impende ressaltar, ademais, naquilo que interessa para a presente discussão, que a técnica de interpretação conforme a Constituição, embora legítima e desejável, dentro de determinadas circunstâncias, defronta-se com duas barreiras intransponíveis, quais sejam: de um lado, não é dado ao hermeneuta afrontar a expressão literal da lei; de outro, não pode ele contrariar a vontade manifesta do legislador e, muito menos, substituir-se a ele.

(11 V. SICHES, Recaséns Luis. Nueva Filosofia de la interpretación del Derecho. 3ª ed. México: Porrúa, 1980, pp. 199 e segs.)

É que, como explica Luís Roberto Barroso, o postulado da independência e harmonia entre os Poderes, “ao lado do princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público, um e outro atuam como mecanismos de autolimitação
Poder Judiciário (judicial self-restraint)”. 12 E enfatiza: “Deveras, foi ao Poder Legislativo, que tem o batismo da representação popular e não o Judiciário, que a Constituição conferiu a função de criar o direito positivo e reger as relações
sociais”. 13

Na sequência, o citado constitucionalista, apoiado na lição de Gomes Canotilho, repisa que essa técnica hermenêutica “só é legítima quando existe um espaço de decisão”, não se admitindo jamais uma exegese contra legem. 14

(12 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.192
13 Idem, loc. cit.)

Nessa mesma direção, o já mencionado Paulo Bonavides, forte no magistério da Corte Constitucional alemã, adverte “que o juiz, em presença de uma lei cujo texto e sentido seja claro e inequívoco, não deve nunca dar-lhe sentido oposto, mediante o emprego do método de interpretação conforme a Constituição”. Logo depois acrescenta: “Não deve por consequência esse método servir para alterar conteúdos normativos, pois ‘isso é tarefa do legislador e não do tribunal constitucional’ (Das ist Sache des Gesetzgebers, nich des BVerfG)” . 15

De fato, como é sabido e ressabido, o Supremo Tribunal Federal, à semelhança do que ocorre com as demais Cortes Constitucionais, só pode exercer o papel de legislador negativo, cabendo-lhe a relevante – e por si só avassaladora – função de extirpar do ordenamento jurídico as normas incompatíveis com o Texto Magno.

(14 Idem, loc.cit.
15 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., pp. 520 -521.)

Trata-se de uma competência de caráter, ao mesmo tempo, preventivo e repressivo, cujo manejo, porém, exige cerimoniosa parcimônia, tendo em conta o princípio da intervenção mínima que deve pautar a atuação da Suprema Corte. Qualquer excesso no exercício desse delicadíssimo mister trará como consequência a usurpação dos poderes atribuídos pela Carta Magna e, em última análise, pelo próprio povo, aos integrantes do Congresso Nacional.

Destarte, não é lícito ao mais alto órgão judicante do País, a pretexto de empreender interpretação conforme a Constituição, envergar as vestes de legislador positivo, criando normas legais, ex novo, mediante decisão pretoriana. Em outros termos, não é dado aos integrantes do Poder Judiciário, que carecem da unção legitimadora do voto popular, promover inovações no ordenamento normativo como se parlamentares eleitos fossem.

Não se ignora que o tema do aborto é extremamente controvertido, tanto aqui como alhures, tendo despertado as mais vivas discussões no mundo civilizado. Em alguns países, esse palpitante assunto é submetido a consultas populares; em outros, quando há espaço para tanto, é objeto de pronunciamentos judiciais, não raro sujeitos a intensas controvérsias.

Interessantemente, tanto os que são favoráveis à interrupção extemporânea da gravidez, quanto os que são contrários a ela invocam, em abono das respectivas posições, de modo enfático, o princípio da dignidade humana.

Esse debate, como não poderia deixar de ser, também alcançou o nosso Parlamento, o qual se encontra profundamente dividido, refletindo, aliás, a abissal cisão da própria sociedade brasileira em torno da matéria. Os congressistas, favoráveis e contrários ao aborto, têm entretido apaixonadas polêmicas, sendo certo que os representantes do povo, até o momento, não chegaram ainda a uma solução de consenso. Por essa razão continua em vigor o texto da legislação penal que, como visto, não admite, dada a clareza de seu enunciado, a ampliação das hipóteses do chamado aborto terapêutico pela via da exegese.

A temática, com efeito, reveste-se de extrema complexidade, não só do ponto de vista jurídico, como também ético e até mesmo científico. É que, além de envolver o princípio fundamental da proteção à vida, consagrado em nossa Constituição (art. 5º, caput), e em diversos tratados internacionais subscritos pelo Brasil, a começar da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 4,1), uma decisão favorável ao aborto de fetos anencéfalos teria, em tese, o condão de tornar lícita a interrupção da gestação de qualquer embrião que ostente pouca ou nenhuma expectativa de vida extra-uterina. Convém lembrar que a Organização Mundial de Saúde, na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, Décima Revisão (CID – 10), em especial em seu Capítulo XVII, intitulado Malformações Congênitas, Deformidades e Anomalias Cromossómicas, arrola dezenas de centena patologias fetais em que as chances de sobrevivência dos seres gestados após uma gravidez tempestiva ou temporã são nulas ou muito pequenas.16

Nessa linha, o Doutor Rodolfo Acatuassú Nunes, Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia Geral da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, na Audiência Pública realizada no Supremo Tribunal Federal sobre o tema, assentou o seguinte:

16 www.who.int/classifications/icd/. Acesso em 10 de abril de 2010.

“A anencefalia é ainda, nos dias de hoje, uma doença congênita letal, mas certamente não é a única; existem outras: acardia, agenedia renal, hipoplasia pulmonar, atrofia muscular espinhal, holoprosencefalia, ostogênese imperfeita letal, trissomia do cromossomo 13 e 15, trissomia do cromossomo 18. São todas afecções congênitas letais, listadas como afecções que exigirão de seus pais bastante compreensão devido à inexorabilidade da morte.

Por que foi escolhida a anencefalia para provocar-se a antecipação da morte, ainda no ventre materno, não se esperando o nascimento natural?

Em primeiro lugar, a anencefalia é um termo que induz ao erro. Há uma grande desinformação, que faz prevalecer e difundir a ideia de que a anencefalia significa ausência do encéfalo. Na realidade, anencefalia corresponde à ausência de uma parte do encéfalo. O nome mais correto para anencefalia seria ‘meroencefalia’, já que ‘mero’ significa
‘parte’.” 17

É fácil concluir, pois, que uma decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos portadores de anencefalia, ao arrepio da legislação penal vigente, além de discutível do ponto de vista ético, jurídico e científico, diante dos distintos aspectos que essa patologia pode apresentar na vida real, abriria as portas para a interrupção da gestação de inúmeros outros

(17 Transcrição de trecho da Audiência Pública realizada no STF, realizada no dia 26 de agosto de 2006, p. 34 da respectiva Ata.)

embriões que sofrem ou venham a sofrer outras doenças, genéticas ou adquiridas, as quais, de algum modo, levem ao encurtamento de sua vida intra ou extra-uterina.

Insista-se: sem lei devidamente aprovada pelo Parlamento, que regule o tema com minúcias, precedida de amplo debate público, retrocederíamos aos tempos dos antigos romanos, em que se lançavam para a morte, do alto da Rocha Tarpéia, ao arbítrio de alguns, as crianças consideradas fracas ou debilitadas.

Não se olvide, de resto, que existem vários diplomas infraconstitucionais em vigor no País que resguardam a vida intra-uterina, com destaque para o Código Civil, o qual, em seu art. 2º, estabelece que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Ou seja, mesmo que se liberasse genericamente o aborto de fetos anencéfalos, por meio de uma decisão prolatada nesta ADPF, ainda assim remanesceriam hígidos outros textos normativos que defendem os nascituros, os quais, por coerência, também teriam de ser havidos como inconstitucionais, quiçá mediante a técnica do arrastamento, ou, então, merecer uma interpretação conforme a Constituição, de modo a evitar lacunas no ordenamento jurídico no tocante à proteção legal de fetos que possam vir a ter sua existência abreviada em virtude de portarem alguma patologia.

Importa trazer a lume, ainda, a Portaria nº 487, de 2 de março de 2007, do Ministério da Saúde, que reflete a preocupação das autoridades médicas com o sofrimento dos fetos anencéfalos, os quais, não obstante sejam dotados de um sistema nervoso central incompleto, sentem dor e reagem a estímulos externos.

O citado diploma normativo, fazendo alusão ao consenso obtido no Seminário para a Discussão sobre Anencefalia e Doação de Órgãos, realizado pela Secretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde, em 24 de maio de 2006, integrado pelo Coordenador-Geral do Sistema Nacional de Transplantes, representantes da Academia Brasileira de Neurologia, da Sociedade Brasileira de Pediatria, do Conselho Federal de Medicina, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Procuradoria Regional da República, da Associação Brasileira de Transplantes de órgãos, da Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde, e considerando, em seu preâmbulo, que “o respeito à dignidade humana prevista no inciso III do art. 3º da Constituição Federal implica que toda a pessoa humana, indistintamente, deve ser tratada como um fim em si mesma”, assenta, em seu art. 1º que a “retirada de órgãos e/ou tecidos de neonato anencéfalo para fins de transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de parada cardíaca irreversível”, sob pena de enquadramento dos transgressores dessa determinação nas cominações previstas nos arts. 14, 16 e 17 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

V – DOS PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO

Cumpre destacar, ademais – até para demonstrar que o Congresso Nacional não está alheio à problemática -, que se encontram sob o crivo dos parlamentares pelo menos dois projetos de lei objetivando normatizar o assunto.

Ambos revelam a complexidade do tema, sobretudo a dificuldade envolvida no regramento de seus distintos aspectos técnicos, jurídicos e científicos, os quais, por isso mesmo, são insuscetíveis de disciplina judicial.

Um deles, o PL nº 4403/2004, de autoria da Deputada Jandira Feghali, que acrescenta um inciso ao art. 128 do Código Penal para, segundo a ementa, “isentar de pena a prática de ‘aborto terapêutico’ em caso de anomalia do feto, incluindo o feto anencéfalo, que implique a impossibilidade de vida extrauterina”, acha-se em tramitação na Câmara dos Deputados.

O outro, a saber, o PL nº 50, de iniciativa do Senador Mozarildo Cavalcanti, também inclui um inciso no citado dispositivo do Codex Repressivo, com a seguinte redação:

“Art. 128.

(…)

III – se o feto apresenta anencefalia e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal”.

A propositura do Senador Mozarildo recebeu parecer da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa da Câmara Alta, subscrito pela Senadora Marinor Brito, que contém, dentre outras, as ponderações abaixo resumidas.

A mencionada Senadora, após tecer considerações sobre a relevância do assunto, revela que tramitavam originalmente dois projetos de lei na Câmara Alta com o objetivo de afastar a punibilidade da interrupção voluntária da gravidez nos casos de anencefalia fetal: um do Senador Duciomar Costa, de nº 183, e outro do Senador Mozarildo, de nº 227, ambos datados de 2004. O primeiro foi retirado pelo próprio autor, um mês depois de sua apresentação. O segundo permaneceu inerte por cerca de meia década, sem jamais ter sido apreciado por uma única comissão, até que foi arquivado no final da última Legislatura.

A Senadora Marinor destaca, ainda, que o Senador Mozarildo, convicto da importância do tema, reapresentou o mesmo projeto de lei, em 2011, o qual recebeu o nº 50, como já observado.

Submetido à crítica de seus pares, foi objeto de reparos por parte do Senador Edison Lobão, que, em seu relatório, assentou o seguinte: “(…) a referida propositura não detalha os requisitos de validade do diagnóstico e do consentimento da gestante. Entendemos, por força do mais elevado comando de segurança jurídica: a) que o diagnóstico deve ser subscrito por dois outros médicos (que não participem, portanto, do procedimento cirúrgico de interrupção da gravidez); b) que as
técnicas de diagnóstico da anencefalia sejam reguladas pelo Conselho Federal de Medicina, de modo a uniformizar os procedimentos de investigação da referida anomalia; c) que a manifestação do consentimento da gestante ou de seu representante legal deve ser feita por escrito, para evitar, assim, qualquer tipo de dúvida ou questionamento” (grifos no original).

Em razão da opinião supra, a Senadora Marinor manifestou-se pela aprovação do PL nº 50/2011, ofertando, todavia, uma emenda substitutiva com o seguinte teor:

“Art. 128.

(…)

III – se o feto apresenta anencefalia, diagnosticada por dois médicos que não integrem a equipe responsável pela realização do aborto, e o procedimento é precedido de consentimento por escrito da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Parágrafo único. Na hipótese do inciso III, o diagnóstico de anencefalia atenderá aos critérios técnicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina”.

Cumpre sublinhar que essa propositura, a qual busca estabelecer requisitos mínimos para que o aborto voluntário de fetos anencéfalos seja isento de punição – tarefa, seja-me permitido insistir, totalmente estranha à competência de uma Corte Constitucional -, continua sob a soberana apreciação das duas Casas que compõem o Congresso Nacional.

VI – DA PARTE DISPOSITIVA

Por todo o exposto, e considerando, especialmente, que a autora, ao requerer ao Supremo Tribunal Federal que interprete extensivamente duas hipóteses restritivas de direito, em verdade pretende que a Corte elabore uma norma abstrata autorizadora do aborto dito terapêutico nos casos de suposta anencefalia fetal, em outras palavras, que usurpe a competência privativa do Congresso Nacional para criar, na espécie, outra causa de exclusão de punibilidade ou, o que é ainda pior, mais uma causa de exclusão de ilicitude, julgo improcedente o pedido.

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Vício Redibitório e Código de Defesa do Consumidor: os vários caminhos para desfazer maus negócios

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Muitas pessoas já depararam com a seguinte situação: adquiriram um bem por meio de contrato, por exemplo, um contrato de compra e venda, e depois de algum tempo descobriram que o objeto desse contrato possuía defeito ou vício – oculto no momento da compra – que o tornou impróprio para uso ou diminuiu-lhe o valor. Casos de vícios em imóveis ou em automóveis são bastante recorrentes.

Para regular tal situação, o Código Civil (CC) prevê a redibição (daí o termo vício redibitório), que é a anulação judicial do contrato ou o abatimento no seu preço. Os casos de vício redibitório são caracterizados quando um bem adquirido tem seu uso comprometido por um defeito oculto, de tal forma que, se fosse conhecido anteriormente por quem o adquiriu, o negócio não teria sido realizado.

Além da anulação do contrato, o CC prevê no artigo 443 a indenização por perdas e danos. Se o vício já era conhecido por quem transferiu a posse do bem, o valor recebido deverá ser restituído, acrescido de perdas e danos; caso contrário, a restituição alcançará apenas o valor recebido mais as despesas do contrato.

De caráter bem mais abrangente, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) representou grande evolução para as relações de consumo e ampliou o leque de possibilidades para a solução de problemas, incluindo os casos de vícios redibitórios. A lei de proteção ao consumidor preza “pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho”, conforme prevê o artigo 4º, inciso II, alínea d.

Desde 1990, quando foi promulgado o CDC, o instituto do vício redibitório perdeu espaço na proteção dos direitos do consumidor. O código consumerista impõe responsabilidade ampla ao fornecedor diante de defeitos do produto ou do serviço, independentemente das condições que a lei exige para o reconhecimento do vício redibitório – como, por exemplo, a existência de contrato ou o fato de o vício ser oculto e anterior ao fechamento do negócio.

No entanto, o instituto do vício redibitório continua relevante nas situações não cobertas pelo CDC, como são as transações entre empresas (desde que não atendam às exigências do código para caracterizar relação de consumo) e muitos negócios praticados entre pessoas físicas.

Em diversos julgamentos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem interpretado as disposições do CC e do CDC no que diz respeito aos vícios redibitórios. Acompanhe alguns pronunciamentos do Tribunal acerca do assunto.

Vício redibitório x vício de consentimento

A Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 991.317, estabeleceu a distinção entre vício redibitório e vício de consentimento, advindo de erro substancial. Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, o tema é delicado e propício a confusões, principalmente pela existência de teorias que tentam explicar a responsabilidade pelos vícios redibitórios sustentando que derivam da própria ignorância de quem adquiriu o produto.

Naquele processo, foi adquirido um lote de sapatos para revenda. Os primeiros seis pares vendidos apresentaram defeito (quebra do salto) e foram devolvidos pelos consumidores. Diante disso, a venda dos outros pares foi suspensa para devolução de todo o lote, o que foi recusado pela empresa fabricante.

Em segunda instância, a hipótese foi considerada erro substancial. Segundo acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a razão exclusiva do consentimento do comprador do lote de sapatos era “a certeza de que as mercadorias adquiridas possuíam boa qualidade, cuja inexistência justifica a anulação da avença”.

Entretanto, no entendimento da ministra Nancy Andrighi, quem adquiriu o lote de sapatos não incorreu em erro substancial, pois recebeu exatamente aquilo que pretendia comprar. A relatora entendeu que “os sapatos apenas tinham defeito oculto nos saltos, que os tornou impróprios para o uso”.

“No vício redibitório o contrato é firmado tendo em vista um objeto com atributos que, de uma forma geral, todos confiam que ele contenha. Mas, contrariando a expectativa normal, a coisa apresenta um vício oculto a ela peculiar, uma característica defeituosa incomum às demais de sua espécie”, disse a ministra.

Segundo ela, os vícios redibitórios não são relacionados à percepção inicial do agente, mas à presença de uma disfunção econômica ou de utilidade no objeto do negócio. “O erro substancial alcança a vontade do contratante, operando subjetivamente em sua esfera mental”, sustentou.

Prazo para reclamar

Em relação aos vícios ocultos, o CDC dispõe no artigo 26, parágrafo 3º, que o prazo para que o consumidor reclame inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.

No julgamento do REsp 1.123.004, o ministro Mauro Campbell entendeu que, caracterizado vício oculto, o prazo decadencial inicia a partir da data em que o defeito for evidenciado, ainda que haja uma garantia contratual. Contudo, não se pode abandonar o critério da vida útil do bem durável, para que o fornecedor não fique responsável por solucionar o vício eternamente.

Diante disso, o ministro reformou decisão que considerou afastada a responsabilidade do fornecedor do produto, nos casos em que o defeito for detectado após o término do prazo de garantia legal ou contratual.

No REsp 1.171.635, o desembargador convocado Vasco Della Giustina, da Terceira Turma, concluiu que a inércia do consumidor em proceder à reclamação dentro do prazo de caducidade autoriza a extinção do processo com resolução do mérito, conforme orienta o artigo 269, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC).

O consumidor adquiriu dois triciclos e, menos de um mês depois, descobriu certo problema no seu funcionamento. Depois de idas e vindas buscando uma solução, passados seis meses, registrou reclamação no Procon. Somente após mais de um ano, o consumidor intentou ação judicial.

“Esta Corte Superior já se manifestou pela inexistência de ilegalidade, quando o inconformismo do consumidor ocorre em data superior ao prazo de decadência”, afirmou o relator.

Quem responde?

No julgamento do REsp 1.014.547, a Quarta Turma decidiu que a responsabilidade por defeito constatado em automóvel, adquirido por meio de financiamento bancário, é exclusiva do vendedor, pois o problema não se relaciona às atividades da instituição financeira.

Uma consumidora adquiriu uma Kombi usada, que apresentou defeitos antes do término da garantia – 90 dias. O automóvel havia sido adquirido por meio de uma entrada, paga diretamente à revendedora, e o restante financiado pelo Banco Itaú.

A consumidora ingressou em juízo e, em primeira instância, obteve a rescisão do contrato de compra e venda, bem como do financiamento firmado com o banco. Ambos foram condenados solidariamente a restituírem os valores das parcelas pagas e, além disso, a revendedora foi condenada a indenizar a autora por danos morais. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) manteve a sentença.

Inconformado, o Banco Itaú recorreu ao STJ e apontou violação dos artigos 14 e 18 do CDC. Sustentou que o contrato de financiamento seria distinto do de compra e venda do veículo, firmado com a empresa revendedora. Sendo assim, os defeitos seriam referentes ao veículo e isso não importaria nenhum vício no contrato de financiamento.

Segundo o ministro João Otávio de Noronha, a instituição financeira não pode ser tida por fornecedora do bem que lhe foi ofertado como garantia de financiamento. O ministro explicou que as disposições do CDC incidem sobre a instituição bancária apenas na parte referente aos serviços que presta, ou seja, à sua atividade financeira.

Para ele, a consumidora formalizou dois contratos distintos. “Em relação ao contrato de compra e venda do veículo e o mútuo com a instituição financeira, inexiste, portanto, acessoriedade, de sorte que um dos contratos não vincula o outro nem depende do outro”, sustentou.

Imóveis

Já em relação a defeitos existentes em imóvel financiado pela Caixa Econômica Federal (CEF), a Quarta Turma decidiu, ao julgar o REsp 738.071, que a instituição financeira era parte legítima para responder, juntamente com a construtora, por vícios na construção do imóvel cuja obra foi por ela financiada com recursos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH).

A CEF recorreu ao STJ argumentando que não teria responsabilidade solidária pelos vícios de construção existentes no imóvel, localizado no Conjunto Habitacional Ângelo Guolo, em Cocal do Sul (SC), destinado a moradores de baixa renda.

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, explicou que a legitimidade passiva da instituição financeira não decorreria simplesmente do fato de haver financiado a obra, mas de ter provido o empreendimento, elaborado o projeto com todas as especificações, escolhido a construtora e de ter negociado diretamente, dentro do programa de habitação popular.

Segundo entendimento majoritário da Quarta Turma nesse julgamento, a responsabilidade da CEF em casos que envolvem vícios de construção em imóveis financiados por ela deve ser analisada caso a caso, a partir da regulamentação aplicável a cada tipo de financiamento e das obrigações assumidas pelas partes envolvidas.

REsp 991317,REsp 1123004,REsp 1171635,REsp 1014547, REsp 738071

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Redução drástica de carga horária de professor autoriza rescisão indireta

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Assim como o empregador pode aplicar a justa causa ao empregado que pratica uma falta grave, o empregado também pode tomar iniciativa de rescindir o contrato de trabalho, por ato faltoso do empregador. É a chamada rescisão indireta, também conhecida por justa causa do empregador, disciplinada no artigo 483 da CLT.

Uma professora procurou a Justiça do Trabalho, dizendo que foi admitida por uma instituição de ensino em 1993, como professora de níveis fundamental e médio. Segundo relatou, a partir de 2007, passou a sofrer drásticas reduções de carga horária e, consequentemente, de salário. A redução foi tamanha que das 24 horas/aula que ministrava por semana, acabou ficando apenas com cinco. Por isso, pediu a declaração da rescisão indireta do contrato de trabalho.

O juiz sentenciante, João Lúcio da Silva, titular da 3ª Vara do Trabalho de Montes Claros, deu razão à trabalhadora. No seu entender, a conduta patronal é grave o suficiente para caracterizar a infração contratual prevista no artigo 483, alínea “d”, da CLT. O dispositivo, que inclui o descumprimento das obrigações do contrato como motivo de rescisão indireta, foi interpretado de forma ampla pelo julgador. Segundo esclareceu, esse descumprimento pode ocorrer de várias formas, que não se esgotam em uma simples exemplificação. “Daí a sábia opção do legislador em consagrar uma fórmula concisa e abrangente: não cumprir o empregador as obrigações do contrato”, ponderou na sentença.

O magistrado considerou a alteração ilícita do contrato como ato gravoso à trabalhadora. Ele rejeitou o argumento da defesa de que a professora teria abandonado o emprego. Na sua avaliação, ela não poderia mesmo aceitar a redução salarial promovida pela empregadora.

Por isso tudo, o magistrado declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho e concedeu à trabalhadora as parcelas devidas nessa forma de desligamento (como se a dispensa fosse sem justa causa), além de guias e determinação de baixa na carteira de trabalho. Houve recurso, mas o TRT de Minas manteve a rescisão indireta.

( 0001212-54.2010.5.03.0145 RO )

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Carência não pode ser invocada para eximir seguradora do tratamento de doença grave

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Não é possível à seguradora invocar prazo de carência contratual para restringir o custeio de procedimentos de emergência, relativos a tratamento de tumor cerebral que acomete o beneficiário do seguro. O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao acolher o recurso de um segurado, representado por sua mãe, contra a Sul América Companhia de Seguro Saúde.

Trata-se de ação baseada em contrato de seguro de assistência à saúde, em que a Sul América foi condenada, em primeira instância, a custear todos os procedimentos quimioterápicos, cirúrgicos, hospitalares e correlatos, relativos a menor com tumor diagnosticado no cérebro, até a cessação e extirpação da moléstia.

A seguradora havia se negado a pagar os procedimentos, ao argumento de que o menor consta no grupo de carência 2 do contrato, estando submetido ao prazo de carência de 180 dias a partir da adesão ao seguro. O menor entrou como dependente do seu pai em 25 de setembro de 2002 e o diagnóstico do tumor foi dado em 10 de janeiro de 2003. A cirurgia emergencial, custeada pelos seus pais, foi feita em 21 de janeiro de 2003.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar a apelação da seguradora, considerou válida a cláusula que estabeleceu prazo de carência, mesmo porque estava de acordo com os limites impostos na legislação específica. “Ademais, no momento da contratação, foi dada ciência ao representante legal do menor da mencionada cláusula restritiva”, afirmou a decisão.

Entretanto, o tribunal estadual entendeu que a seguradora tinha obrigação de arcar com as despesas de internação nas primeiras 12 horas de atendimento, incluindo todos os exames solicitados antes da cirurgia, mesmo porque não havia motivos para a negativa, uma vez que foram solicitados assim que ocorreu a internação do menor.

Cláusulas – abusivas

A defesa do menor recorreu ao STJ alegando que, ao contrário do entendimento do TJSP, o artigo 35-C da Lei 9.656/98 não limita o custeio dos procedimentos de urgência ou emergência às primeiras 12 horas de internação.

Sustentou que o titular do seguro aderiu a plano hospitalar e que Resolução 13 do Conselho de Saúde Complementar estabelece que, nos contratos de plano hospitalar, deve haver cobertura aos atendimentos de urgência e emergência que evoluírem para internação, desde a admissão do paciente até a sua alta.

A defesa expôs, ainda, que o contrato de adesão tem cláusulas abusivas, limitativas do direito do consumidor.

Em seu voto, o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que é possível a estipulação contratual de prazo de carência, conforme o artigo 12 da Lei 9.656. Entretanto, o ministro lembrou que o inciso V da mesma lei estabelece o prazo máximo de 24 horas para cobertura dos casos de urgência e emergência.

Segundo Salomão, os contratos de seguro e assistência à saúde são pactos de cooperação e solidariedade, cativos e de longa duração, regidos pelo princípio da boa-fé objetiva e pela função social, com o objetivo principal de assegurar ao consumidor tratamento e segurança.

“O Código de Defesa do Consumidor prevê a necessidade da adequação dos produtos e serviços à legítima expectativa que o consumidor tem de, em caso de pactuação de contrato oneroso de seguro de saúde, não ficar desamparado, no que tange a procedimento médico premente e essencial à preservação de sua vida”, afirmou Salomão. Assim, acompanhando o voto do relator, a Quarta Turma restabeleceu a sentença em todos os seus aspectos.

REsp 962980

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STF: 1ª Turma aplica princípio da insignificância a caso específico de porte de droga

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15.02.2012

Foi concedido, na tarde de ontem (14), pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o Habeas Corpus (HC) 110475, impetrado pela defesa de uma mulher condenada por porte de entorpecente em Santa Catarina. Pela ausência de tipicidade da conduta, em razão da “quantidade ínfima” (0,6g) de maconha que ela levava consigo, a Turma entendeu que, no caso, coube a aplicação do princípio da insignificância.

Segundo o relator, ministro Dias Toffoli, D.C.N.H. foi condenada à pena de três meses e 15 dias de prestação de serviços à comunidade, conforme o artigo 28 da Lei 11.343/06, pois ela foi presa em flagrante ao portar, para uso próprio, pequena quantidade de substância entorpecente.

A defesa de D.C. interpôs recurso perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) pedindo a aplicação do princípio da insignificância e, subsidiariamente, a redução da pena em face da confissão espontânea. Porém, o pedido foi negado, tanto pela Justiça estadual, quanto pelo STJ, que alegou que a análise do caso implicaria o revolvimento de provas, incabível em HC.

Para o relator, ministro Dias Toffoli, “a aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige que sejam preenchidos requisitos tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e relativa inexpressividade da lesão jurídica”. O que, segundo o relator, ocorreu no caso.

O ministro afirmou, ainda, que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando “estritamente necessários à própria proteção das pessoas”.

Assim, por entender que, no caso houve porte de ínfima quantidade de droga, a Primeira Turma, acompanhando o relator, deferiu o pedido de aplicação do princípio da insignificância e determinou o trancamento do procedimento penal instaurado contra D.C, invalidando todos os atos processuais desde a denúncia, inclusive até a condenação imposta a ela, por ausência de tipicidade material da conduta.

 

Fonte: STF

Presunção de inocência não impede crítica jornalística a pessoas investigadas

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A presunção de inocência dos investigados e acusados de crimes não impede que a imprensa divulgue, mesmo que de forma crítica, os fatos correntes. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reverteu decisão que concedia indenização de R$ 5 mil a empresário investigado no “esquema Gautama”.

 O Jornal do Dia, de Sergipe, publicou em 2007 fotografia do então presidente do Tribunal de Justiça local (TJSE) ao lado de empresário preso pela Polícia Federal. A nota, assinada por uma jornalista, apontava suposta incoerência do desembargador, por aparecer sorridente ao lado do empresário preso sob acusação de envolvimento no esquema de desvio de recursos públicos. Sentindo-se ofendido, o empresário acionou o jornal e a colunista.

 Na primeira instância, a ação foi julgada improcedente. Em apelação, o TJSE entendeu que a nota apontava o empresário como pessoa indigna de estar ao lado do presidente do tribunal, constituindo essa presença uma desonra para o Poder Judiciário. Por consequência, a publicação ofendia a honra do empresário, merecendo compensação fixada em R$ 5 mil.

Crítica prudente

 A empresa jornalística recorreu ao STJ sustentando que a publicação não trazia nenhuma ilicitude. Segundo o veículo, a questão era de interesse público e a nota retratou o sentimento da sociedade diante do fato de o presidente do TJSE posar em foto ao lado de empresário filho de ex-governador, acusado de envolvimento em crimes de tráfico de influência e desvio de dinheiro público.

 A matéria jornalística apenas teria feito críticas prudentes, não tendo avançado além de informações fornecidas pela polícia com autorização da ministra relatora da ação penal correspondente, que tramitava no próprio STJ.

 Ao julgar o recurso, o ministro Sidnei Beneti inicialmente afastou os fundamentos do acórdão embasados na Lei de Imprensa – julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ele também indicou a falha do acórdão e da petição inicial ao invocar dispositivos do Código Civil de 1916, quando os fatos ocorreram em 2007, já na vigência do Código Civil de 2002.

Imagem negativa

 No mérito, ele apontou que a publicação não teve objetivo de ofender o empresário, tendo apenas noticiado o fato, ainda que de forma crítica. “A nota publicada, em verdade, punha o foco crítico na pessoa do eminente presidente do tribunal, pelo fato de haver-se fotografado juntamente com o autor”, apontou, ressaltando que o próprio desembargador não se sentiu ofendido nem buscou reparação pelo fato.

 Para o ministro, como se estava em meio a investigação de grande repercussão, com prisão ostensiva do empresário durante diligência da Polícia Federal, em cumprimento de mandado expedido pelo STJ, não seria possível exigir da imprensa que deixasse de noticiar ou mesmo criticar a presença do presidente do TJSE ao lado do empresário – cuja imagem, naquele momento, “não se podia deixar de ver negativa”.

 “Claro que a aludida imagem negativa, da mesma forma que a acusação de prática de atos ilícitos, podia ulteriormente vir a patentear-se errada, não correspondente à lisura de comportamento que o autor poderia vir a demonstrar durante a própria investigação criminal ou em juízo”, ponderou o ministro.

Julgamento pela imprensa

 “Mas esse julgamento exculpador prévio não podia ser exigido da imprensa, pena de se erigir, esta, em órgão apurador e julgador antecipado de fatos que ainda se encontravam sob investigação”, completou.

 “Nem a presunção de inocência de que gozava o autor, como garantia de investigados e acusados em geral, podia, no caso, ser erigida em broquel contra a notícia jornalística, que também se exterioriza por intermédio de notas como a que motivou este processo”, acrescentou o relator.

 A decisão inverte também a condenação em honorários e despesas processuais. O TJSE havia fixado o valor que seria pago pelo jornal em R$ 700, mas, com o julgamento do STJ, o empresário deverá arcar com R$ 1 mil pelas custas e honorários.

 REsp 1191875

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Banco deve responder solidariamente por extravio de cartão de crédito

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São nulas as cláusulas contratuais que impõem exclusivamente ao consumidor a responsabilidade por compras realizadas com cartão de crédito extraviado até o momento da comunicação do fato à empresa administradora. Esse entendimento foi reiterado em mais uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em 2004, um consumidor do Paraná teve seu cartão de crédito trocado após uma compra em estabelecimento comercial do estado. Ele só percebeu que estava com o cartão de outra pessoa quando precisou fazer compra na internet, cinco dias depois. O cliente comunicou o extravio imediatamente ao BankBoston Banco Múltiplo, quando foi informado que seu cartão havia sido usado no período, totalizando gastos de quase R$ 1,5 mil. Na mesma ocasião, ele solicitou ao banco o cancelamento do débito, mas não teve êxito. A bandeira do cartão de crédito era Visa.

O Tribunal de Justiça do Paraná havia afastado a responsabilidade do banco pelo extravio com base no entendimento de que caberia ao titular guardar o cartão de forma segura, além de ver se o estabelecimento havia devolvido seu cartão de maneira correta após o pagamento da compra. Para os desembargadores, o banco seria responsabilizado apenas no caso de débitos posteriores à comunicação do fato.

Foi considerado ainda que seria incorreto responsabilizar o banco solidariamente quanto ao fato de a assinatura do canhoto das compras, feitas durante os cinco dias de extravio, não corresponder à assinatura do cartão. Os desembargadores afirmaram que essa responsabilidade é exclusiva do estabelecimento comercial.

A relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, afirmou que os artigos 14 e 18 do Código de Defesa do Consumidor indicam que todos aqueles que participam da introdução do produto ou serviço no mercado devem responder solidariamente por eventuais danos. A ministra disse ainda que fica a critério do consumidor a escolha dos fornecedores solidários, conforme sua comodidade ou conveniência.

Segurança

Sobre a necessidade de conferência da assinatura, a ministra ressaltou que, antes da criação dos cartões com chip, como no caso analisado, esse era o principal procedimento de segurança a ser observado pelo fornecedor, pois não havia outro meio de confirmar se o consumidor era ou não titular do cartão em uso.

A ministra afirmou ainda que uma das grandes vantagens dos cartões de crédito é a segurança: “O consumidor é levado a crer que se trata de um sistema seguro e que, mesmo havendo furto, estará protegido contra o uso indevido por terceiros.”

Nancy Andrighi considerou abusiva a cláusula do contrato firmado com o banco, que determina a responsabilidade exclusiva do cliente pelo cartão de crédito. Na opinião da relatora, ainda que os débitos tenham sido feitos antes de o cliente ter comunicado o extravio, esse fato não pode afastar a responsabilidade do banco.

Há precedente nesse mesmo sentido, de que “são nulas as cláusulas contratuais que impõem ao consumidor a responsabilidade absoluta por compras realizadas com cartão de crédito furtado até o momento da comunicação do furto”. Outra decisão anterior afirma que cabe à administradora de cartões, em parceria com a rede credenciada, conferir a idoneidade das compras realizadas, por meio de métodos que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, tenha ou não ocorrido descuido do cliente.

Para a ministra, o aviso tardio do extravio não pode ser considerado fator decisivo do uso incorreto do cartão pelo cliente. “Independente da comunicação, se o fornecedor cumprisse sua obrigação de conferir a assinatura do titular no ato da compra, a transação não teria sido concretizada”, concluiu Nancy Andrighi.

Seguindo o voto da relatora, a Turma deu provimento ao recurso do consumidor para acolher o pedido de inexistência parcial de débito e para condenar o banco a arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 2 mil.

REsp 1058221

Supremo considera constitucional exame da OAB: decisão por unanimidade

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A exigência de aprovação prévia em exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que bacharéis em direito possam exercer a advocacia foi considerada constitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Por unanimidade, os ministros negaram provimento ao Recurso Extraordinário (RE 603583) que questionava a obrigatoriedade do exame. Como o recurso teve repercussão geral reconhecida, a decisão nesse processo será aplicada a todos os demais que tenham pedido idêntico.

A votação acompanhou o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido de que a prova, prevista na Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), não viola qualquer dispositivo constitucional. Concluíram desta forma os demais ministros presentes à sessão: Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso.

O recurso foi proposto pelo bacharel João Antonio Volante, que colou grau em 2007, na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), localizada em Canoas, no Rio Grande do Sul. No RE, ele afirmava que o exame para inscrição na OAB seria inconstitucional, contrariando os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e do livre exercício das profissões, entre outros.

Votos

O relator do caso, ministro Marco Aurélio, considerou que o dispositivo questionado do Estatuto da Advocacia não afronta a liberdade de ofício prevista no inciso XIII, artigo 5º, da Constituição Federal, conforme argumentava o bacharel em direito, autor do recurso. Para o ministro, embora o referido comando constitucional impeça o Estado de opor qualquer tipo de embaraço ao direito dos cidadãos de obter habilitação para a prática profissional, quando o exercício de determinada profissão transcende os interesses individuais e implica riscos para a coletividade, “cabe limitar o acesso à profissão em função do interesse coletivo”. “O constituinte limitou as restrições de liberdade de ofício às exigências de qualificação profissional”, afirmou o ministro Marco Aurélio, ao citar o próprio inciso XIII, artigo 5º, da Carta Magna, que prevê para o livre exercício profissional o respeito às qualificações estabelecidas em lei.

Primeiro a seguir o voto do relator, o ministro Luiz Fux apontou que o exame da OAB caminha para a inconstitucionalidade se não forem criadas formas de tornar sua organização mais pluralista. “Parece plenamente razoável que outros setores da comunidade jurídica passem a ter assento nas comissões de organização e nas bancas examinadoras do exame de Ordem, o que, aliás, tende a aperfeiçoar o certame, ao proporcionar visão mais pluralista da prática jurídica”, disse.

Para Fux, manter a elaboração e organização do exame somente nas mãos de integrantes da OAB pode suscitar questionamentos em relação à observância, pela entidade, de princípios democráticos e republicanos. “Cumpre à OAB atender às exigências constitucionais de legitimação democrática da sua atuação, que envolve, entre outros requisitos, a abertura de seus procedimentos à participação de outros seguimentos da sociedade”, reiterou. Para o ministro, a forma como o exame é produzido atualmente é uma “falha” que acarretará, no futuro, “a efetiva inconstitucionalidade da disciplina do exame da OAB”.

Antes, porém, ele afirmou que o exame em si é a medida adequada à finalidade a que se destina, ou seja, a “aferição da qualificação técnica necessária ao exercício da advocacia em caráter preventivo, com vistas a evitar que a atuação do profissional inepto cause prejuízo à sociedade”. Luiz Fux ressaltou que o desempenho da advocacia por um indivíduo de formação deficiente pode causar prejuízo irreparável e custar a um indivíduo a sua liberdade, o imóvel em que reside ou a guarda de seus filhos.

“Por essas razões, existe justificação plausível para a prévia verificação da qualificação profissional do bacharel em direito para que possa exercer a advocacia. Sobreleva no caso interesse coletivo relevante na aferição da capacidade técnica do indivíduo que tenciona ingressar no exercício profissional das atividades privativas do advogado”, disse. Ele complementou que “fere o bom senso que se reconheça à OAB a existência de autorização constitucional unicamente para o controle a posteriori da inépcia profissional, restringindo sua atribuição nesse ponto a mera atividade sancionatória”.

Também acompanhando o relator, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha fez breves considerações sobre a matéria. Ela frisou que o exame da OAB atende plenamente a regra constitucional que condiciona a liberdade ao trabalho ao atendimento de qualificações profissionais estabelecidas em lei (inciso XIII do artigo 5º da Constituição). O Estatuto da Advocacia, acrescentou ela, foi produzido coerentemente com o que a sociedade, em um Estado democrático, exige da OAB. A ministra afirmou ainda que os provimentos previstos no Estatuto (parágrafo 1º do artigo 8º da Lei 8.906/94) são necessários para regulamentar os exames. “O provimento foi a fórmula encontrada para que a OAB pudesse, o tempo todo, garantir a atualidade da forma de qualificação a ser exigida”, disse.

Em seguida, o ministro Ricardo Lewandowski disse que se aplica ao caso a chamada “teoria dos poderes”, desenvolvida em 1819 na Suprema Corte norte-americana. Reza essa tese que, quando se confere a um órgão estatal determinadas competências, deve-se conferir-lhe, também, os meios para executá-las.

Em sintonia com essa teoria, portanto, conforme o ministro, o Estatuto da Ordem (Lei 8.906/94), com base no artigo 22, inciso XVI, da Constituição Federal, ao regular o exercício da advocacia, conferiu à OAB os poderes para que o fizesse mediante provimento.

No mesmo sentido, segundo ele, o artigo 44, inciso II, do Estatuto da Ordem é claro, ao atribuir à entidade a incumbência de “promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil”.

Por seu turno, o ministro Ayres Britto destacou que o fato de haver, na Constituição Federal, 42 menções à advocacia, à OAB e ao Conselho Federal da OAB já marca a importância da advocacia em sua função de intermediária entre o cidadão e o Poder Público.

Ele citou, entre tais passagens constitucionais, o artigo 5º, inciso XIII, que dispõe ser livre o exercício de qualquer trabalho, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Portanto, segundo Ayres Britto, o dispositivo faz uma mescla de liberdade com preocupação social, que é justamente o que ocorre com o exame contestado no RE, pois, segundo o ministro, ele é “uma salvaguarda social”.

O ministro ressaltou, também, o artigo 133 da CF, uma vez que esse dispositivo estabelece que o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Também se manifestando pelo desprovimento do RE, o ministro Gilmar Mendes disse que a situação de reserva legal qualificada (o exame da OAB) tem uma justificativa plena de controle. No seu entender, tal controle não lesa o princípio da proporcionalidade, porque o exame contém abertura bastante flexível, permitindo aos candidatos participarem de três exames por ano.

Quanto às críticas sobre suposto descompasso entre o exame da OAB e os currículos das faculdades de direito, Gilmar Mendes disse acreditar que essa questão pode ser ajustada pela própria OAB, em articulação com o Ministério da Educação, se for o caso.

Para o decano da Corte, ministro Celso de Mello, é lícito ao Estado impor exigências com “requisitos mínimos” de capacidade, estabelecendo o atendimento de certas qualificações profissionais, que sejam condições para o regular exercício de determinado trabalho, ofício ou profissão. Segundo o ministro, as prerrogativas dos advogados traduzem meios essenciais destinados a proteger e amparar os “direitos e garantias” que o direito constitucional reconhece às pessoas.

Ainda de acordo com o ministro Celso de Mello, a legitimidade constitucional do exame da ordem é “plenamente justificada”, principalmente por razões de interesse social. Para o decano, os direitos e garantias individuais e coletivas poderão resultar frustrados se for permitido que pessoas “despojadas de qualificação profissional” e “destituídas de aptidão técnica” – que são requisitos “aferíveis, objetivamente pela prova de suficiência ministrada pela Ordem dos Advogados do Brasil” – exerçam a advocacia, finalizou o ministro, acompanhando integralmente o voto do relator.

Os ministros Dias Toffoli e Cezar Peluso acompanharam integralmente o voto do relator.

Fonte: STF

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Confirmada tese de que embriaguez ao volante constitui crime

Ellen Gracie Northfleet

Image via Wikipedia

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A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou, na sessão de ontem (27), o Habeas Corpus (HC) 109269, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de um motorista de Araxá (MG) denunciado por dirigir embriagado. O crime está previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, mas o juiz de primeira instância absolveu o motorista por considerar inconstitucional o dispositivo, alegando que se trata de modalidade de crime que só se consumaria se tivesse havido dano, o que não ocorreu.

A Defensoria Pública pedia ao STF o restabelecimento desta sentença, sob a alegação de que “o Direito Penal deve atuar somente quando houver ofensa a bem jurídico relevante, não sendo cabível a punição de comportamento que se mostre apenas inadequado”, mas seu pedido foi negado por unanimidade de votos.

Citando precedente da ministra Ellen Gracie, o relator do habeas corpus, ministro Ricardo Lewandowski, afirmou ser irrelevante indagar se o comportamento do motorista embriagado atingiu ou não algum bem juridicamente tutelado porque se trata de um crime de perigo abstrato, no qual não importa o resultado.

“É como o porte de armas. Não é preciso que alguém pratique efetivamente um ilícito com emprego da arma. O simples porte constitui crime de perigo abstrato porque outros bens estão em jogo. O artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro foi uma opção legislativa legítima que tem como objetivo a proteção da segurança da coletividade”, enfatizou Lewandowski.

Com a decisão de ontem (27/09), a ação penal contra o motorista prosseguirá, nos termos em que decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), quando acolheu apelação do MInistério Público estadual contra a sentença do juiz de Araxá. De acordo com o artigo 306 do CTB, as penas para quem conduz veículo com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis, é de detenção (de seis meses a três anos), multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Fonte: STF
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