Discussão sobre sacolas plásticas vira guerra de informações

Por Cláudia Viviane Viegas

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Da utilidade do plástico, ninguém duvida, assim como de que ele agride o meio ambiente se for mal destinado. Entupir de lixo doméstico as sacolinhas que se levam dos supermercados e devolvê-las para o serviço de coleta municipal sem chances de reciclagem não é, bem se sabe, um modo sustentável de produção-consumo. O aumento vertiginoso do volume de resíduos em aterro vem levando segmentos empresariais e instituições sociais a repensar o que fazer. Segundo dados do IBGE de 2002, em torno de 230 mil toneladas de lixo domiciliar e comercial são coletadas a cada dia no país e pouco mais de 40% delas chegam a aterros.

As sacolas de plástico são especialmente preocupantes por serem distribuídas em todo o comércio, e porque sua degradabilidade média é da ordem de centenas de anos. O que fazer com esse material? Há duas grandes propostas em voga. Mas ambas vêm causando uma guerra de informações na sociedade.

Uma delas é reduzir paulatinamente o consumo, educando o supermercadista e, por extensão, o consumidor, a utilizar a mesma sacola de plástico várias vezes, evitando que seu ciclo de vida até os aterros seja abreviado. Esta sacola, com maior tempo de uso, seria fisicamente mais robusta (espessa) que as atuais e evitaria o desperdício comum de se empregarem várias sacolas para reforçar uma embalagem, como se costuma fazer hoje. Para compensar o maior uso de matéria-prima necessário à robustez desse produto, o comércio diminuiria o número de unidades disponibilizadas, o que equilibraria quantitativamente o uso de resinas na produção desses materiais. Esta, resumidamente, é a posição da cadeia produtiva do plástico, representada pela ONG Instituto Plastivida. É o chamado “uso racional” do plástico.

A segunda tese é mais radical. Propõe a adoção, por fabricantes, de substâncias que, adicionadas à produção das sacolas, as tornariam degradáveis por processo de oxidação e, posteriormente, quando os polímeros do plástico estivessem rompidos e oxidegradados, por biodegradação. Assim, o tempo médio de degradação da tradicional sacolinha cairia de mais ou menos 400 para 1,5 a dois anos. Esta é a posição de algumas empresas e ONGs que defendem os chamados plásticos oxibiodegradáveis, com a idéia de varrer de vez o problema, ou literalmente falando, transformá-lo em fragmentos que depois “sumiriam” como pó.

Claro, existe uma terceira solução ou ainda outras mais. Usar apenas sacolas de pano, fibras vegetais ou outros materiais. Esta via ecológica nem está sendo discutida, apesar de ser simples e eficaz. Há quem tente comparar a sacola de pano e a de plástico alegando que a de pano demanda água e sabão para ser limpa, causando impacto aos recursos hídricos, enquanto a de plástico, mais robusta, exigiria apenas um pano umedecido para ser higienizada. Comparações difíceis que provavelmente levariam as pessoas a algum tipo de raciocínio termodinâmico, para tentar entender o que consome mais energia ou polui mais.

Mas no mundo acostumado com o plástico há mais de 50 anos, dificilmente alguém estaria facilmente livre dele nas suas embalagens. Como a sociedade é cada vez mais complexa e não perfeita sob o ponto de vista da conscientização e da educação ambiental, cabe focar as duas primeiras alternativas, que são as mais confrontadas atualmente.

Racionalizar o uso

O Instituto Plastivida, ONG que representa os fabricantes de plásticos, acredita que é possível retirar 30% do volume de sacolas em circulação com base em algumas pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública (Ibope) e pela empresa SP Trade. Segundo o Ibope, 75% da população prefere carregar suas compras em sacolas plásticas. E, de acordo com a SP Trade, 61% das pessoas utilizam a sacola somente “da metade para baixo”, ou seja, não ocupam todo o espaço da embalagem. Esta última constatação vem de um levantamento realizado em 12 empresas de supermercado da cidade de São Paulo, num total de 400 lojas. Outra constatação desta última pesquisa é que aproximadamente 13% da população utiliza duas sacolas para colocar as mesmas compras porque têm medo que as sacolas se rompam, o que tem fundamento pelo fato de não haver padronização da resistência das mesmas à tração.

A partir desses dados, o Plastivida chegou à proposta de retirar de circulação 30% da quantidade de sacolas: “Reduzimos estes percentuais à metade, de 61% que usam a sacola pela metade, estimamos bem menos, 30%. E de 13% que usam mais de uma sacola, trabalhamos com 6%. Isto soma 36%, que arredondamos para 30%, e é dessa estimativa que vem o nosso número”, explica Francisco de Assis Esmeraldo Filho, presidente do Plastivida. Para conseguir sacolas mais fortes, as empresas terão que fabricá-las segundo a norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) número 14.937, que estabelece os padrões para tal tipo de produção.

Ampliar a reciclagem mecânica é outra medida a ser incentivada. Um estudo feito pela consultoria MaxiQuim para verificar a proporção de reciclagem mecânica de plásticos no Brasil aponta um aumento de 12% ao ano, de 2003 a 2007. “Utilizamos a metodologia do IBGE e acompanhamos a pesquisa, realizada em, grandes cidades de nove Estados. Extrapolando para todo o país, com um modelo matemático, chegamos aos seguintes resultados: em 2003, o índice de reciclagem de plásticos era de 16%, num total de 460 mil toneladas; passou para 560 mil toneladas em 2007″, afirma o executivo. Dados do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre) convergem para este dado, ou seja, que o percentual de reciclagem de plásticos no Brasil está em torno de 20% da produção. O problema é que não existem instrumentos para detalhar com quanto desse total contribuem as sacolas.

Além desta medida, o Plastivida está promovendo a reciclagem energética. Consiste na queima controlada para geração de energia. “Um quilo de plástico contém o mesmo valor energético de um litro de óleo diesel”, compara Esmeraldo. De acordo com ele, com este processo, o lixo produzido por uma cidade de 800 mil habitantes poderia gerar energia para 60 mil pessoas: “Noventa por cento dos resíduos sólidos do Japão recebem esse tratamento. Na Europa, 30%. Somente na Escandinávia, 60% a 70%. E na Suíça, existem 27 usinas de reciclagem térmica. No Brasil, temos apenas uma unidade experimental no Rio de Janeiro.”

Decomposição mais rápida

Esta é a alternativa apresentada por empresas de consultoria que vendem compostos que, misturados à resina de produção do plástico, fazem com que o produto resultante se degrade bem mais rapidamente do que o processo natural de decomposição. Esta tendência surgiu no Brasil há cerca de cinco anos, embora na Europa exista desde a década de 70. Em solo brasileiro, a principal representante dos oxibiodegradáveis é a RES, de Valinhos (região de Campinas/SP), que representa a inglesa Symphony Environment Technologies.

A RES detém os direitos de fabricação e uso de compostos que levam o selo d2W, ou “direct to water”, numa alusão a que a oxibiodegradação resulta em dióxido de carbono (CO2), água e uma pequena quantidade de biomassa. Conforme o diretor-superintendente da RES, Eduardo van Roost, mais de 130 fabricantes estão utilizando a tecnologia d2W no Brasil.

Os compostos adicionados à produção das sacolas, por este processo, são sais metálicos de transição à base de cobalto, manganês, ferro e zinco. São utilizados também catalisadores. “Todos esses elementos estão presentes em todo o planeta em punhados de terra, no leite, na alface, em peixes e em complexos vitamínicos. São todos aditivos aprovados pelo FDA [Food and Drug Administration, órgão norte-americano que estabelece normas para controle de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos] e por órgãos da Comunidade Européia para embalagem de alimentos”, garante van Roost. Ele informa que, para cada 99 quilos de resinas plásticas de polietileno convencional, é utilizado um quilo de aditivo d2W, resultando em cem quilos de flimes plásticos oxibiodegradáveis. “Nos últimos 12 meses, foram produzidos 10 bilhões de emablagens oxibiodegradáveis no mundo”, assinala o empresário.

Conforme van Roost, a oxibiodegradação tem a vantagem de diminuir drasticamente o volume de material em aterros. “O tempo de degradação depende de uma série de fatores, mas, em média, o material se oxibiodegrada a partir de três meses”, diz. Para utilizar a tecnologia, as empresas interessadas recebem os aditivos e produzem amostras. Depois, as enviam para a RES, que as encaminha para testes de aceleração de degradação, os quais são realizados fora do país. As empresas então recebem laudos e relatórios, tornando-se licenciadas ao uso dessas tecnologias. O uso da d2W resulta em sacolas com custo, em média, é 5% a 10% superiores aos das sacolas plásticas comuns.

A tecnologia difundida pela RES Brasil desde 2005 tem o apoio da ONG de Maringá (PR) Funverde, que se apresenta desde 1999 com a missão de “desplastificar” o ambiente. Segundo a analista de sistemas Ana Domingues, que instituiu a ONG, a tecnologia d2W conta com 25 laudos de instituições do Exterior que comprovam a degradabilidade do plástico, garantindo que “ele é 100% compostável após a degradação”.

Atualmente, a empresa de coleta pública de resíduos de Curitiba adota sacos oxibiodegradáveis, assim como o governo do Estado do Paraná, com base na Lei 11.445/2007, que diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. Conforme Ana Domingues, há laudos do Instituto de Tecnologia do Paraná (TecPar) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) garantindo a eficiência da tecnologia. Sete cidades, entre as quais Piracicaba (SP), Sorocaba (SP), Pouso Alegre (MG) e Balneário Camboriú (SC) já aprovaram ou estão com projetos de lei em andamento para aprovar o uso das sacolas oxibiodegradáveis. Além disto, dois Estados – Espírito Santo e Goiás – têm leis aprovadas determinando que, se forem utilizadas sacolas plásticas no comércio, elas sejam oxibiodegradáveis.

No Rio Grande do Sul, o deputado Giovani Cherini protocolou, há poucos dias, um projeto de Lei que proíbe a disponibilização de sacolas plásticas por supermercados e outras casas de comércio fora dos padrões estabelecidos pela norma nº 14.937 da ABNT. Já a Câmara Municipal de Porto Alegre decidiu voltar atrás em um projeto de lei prevendo a obrigatoriedade de instituição do uso de sacolas oxibiodegradáveis.

“Nosso interesse é que não haja sacolas espalhadas no ambiente. Toda vez que fazemos limpeza em rios, esta situação se repete. Descartamos o uso de plásticos de amido de milho porque se trata de uma concorrência para a produção de alimentos. Passamos mais de um ano buscando soluções e, desde 2005, apoiamos a campanha pelos oxibiodegradáveis”, assinala Ana Domingues.

Falta de pesquisas prejudica orientação dos consumidores, afirma especialista

O desencontro de informações torna difícil a escolha para o consumidor. Usar ou não usar sacolas de plástico? Usá-las moderadamente? Adotar as oxibiodegradáveis? Cada parte – representantes da indústria petroquímica e defensores dos oxibiodegradáveis – tem seus argumentos e contra-argumentos. O fato é que Plastivida e RES Brasil não abrem diálogo entre si e não sentam à mesma mesa.

A RES alega que as resinas de polietileno tradicionais recebem aditivos como antioxidantes e protetores contra radiação ultravioleta responsáveis pela resistência, elasticidade e outras propriedades das tradicionais sacolas. “Isto sem falar nas tintas de impressão de logotipos. Sem incorporar essas substâncias, as sacolas se degradariam em dez anos”, afirma Eduardo van Roost, diretor-superintendente da empresa.

Já o Instituto Plastivida contra-argumenta que o problema dos oxibiodegradáveis é a utilização de substâncias contendo Cobalto, Manganês e Ferro, que ao mesmo tempo em que causam a fragmentação das sacolas, levam a danos ambientais para o solo. “A oxibiodegradação impede que se coletem os resíduos e representa um risco maior para o ambiente”, afirma Francisco de Assis Esmeraldo Filho, presidente do Plastivida. Para ele, esta solução “é o mesmo que varrer o problema para debaixo do tapete”. “O que acontece, na realidade, é uma oxifragmentação. O resíduo desaparece do olhar, mas não significa que não esteja no ambiente”, acrescenta. Esmeraldo afirma também nunca ter visto nenhum laudo de garantia do uso da tecnologia de oxibiodegradação. “Eu gostaria muito de ver esses laudos, como o do FDA [Food and Drug Administration, dos Estados Unidos], diz.

Os defensores do uso de oxibiodegradáveis afirmam que a indústria do plástico resiste a esta tecnologia porque as sacolas representam em torno de 40% dos negócios do setor. Esmeraldo rebate esta informação atestando que, das 5,5 milhões de toneladas anuais de resinas produzidas para o setor, 220 mil (4%) são consumidas pela indústria de embalagens, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (ABIEF). “Para nós, seria a melhor coisa do mundo se funcionasse. Suponhamos o que reciclamos hoje. São 560 mil toneladas de plásticos. Se todo este material fosse submetido a oxibiodegradação, poderíamos vender mais, pois não seria um problema para o ambiente. Isto nos daria um lucro de R$ 3 bilhões. Por que abriríamos mão disto? Abrimos mão porque sabemos que esta tecnologia traz problemas futuros, um passivo ambiental que queremos evitar”, observa Esmeraldo.

Para a ONG Funverde, contudo, a idéia da redução da quantidade de sacolas em circulação é equivocada porque, por outro lado, aumentará o peso unitário de cada sacola. “Teríamos plástico mais resistente jogado no ambiente”, pondera Ana Domingues, da Funverde. O diretor da RES Brasil afirma que “esta confusão em torno do oxibiodegradável só existe no Brasil” e que “em diversos outros países não há restrições”.

Pesquisa escassa

O doutor em Ciência do Solo e em Ciências dos Materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Telmo Francisco Manfron Ojeda, afirma que faltam estudos nesta área. “Não há, no mundo, nenhum trabalho que tenha constatado qualquer tipo de ecotoxicidade dos oxibiodegradáveis no solo”, informa. Além disto, os custos em pesquisa, nesta área, são altos. “Cada ensaio de uma série com três níveis tróficos, utilizando algas unicelulares, peixes e microcrustáceos (que são bioindicadores) custa em torno de R$ 9 mil”, observa.

Ojeda é consultor e está desde 2003 realizando estudos com compostos bio, oxibio e hidrobiodegradáveis. Ele explica que os biodegradáveis são compostos produzidos a partir de celulose e amido, por exemplo, e levam cerca de três meses para se degradar. Nessa categoria inclui-se também o polihidroxibutirato (PHB), produzido a partir da cana-de-açúcar.

Já os hidrobiodegradáveis incluem o poliácido lático (PLA), obtido a partir de milho, e o policaprolactona (PCL), de origem petroquímica, além de poliésteres alifático-arométicos, igualmente de gênese petroquímica, como o polibutileno adipato tereftalato (PBAT). Estes passam por hidrólise antes de se biodegradar. Finalmente, existem os oxibiodegradáveis, que precisam se oxidar antes de se biodegradar.

Ojeda esclarece que cobalto, manganês e ferro, utilizados na fórmula dos oxibiodegradáveis, são metais de transição e não metais pesados. “O cobalto está presente em enzimas de plantas para fixação do nitrogênio. Nosso solo pode conter entre 100 e 500 partes por milhão de cobalto”, diz. A falta de pesquisas sobre degradabilidade de plásticos no Brasil e da divulgação pública das mesmas é um ponto fraco desta discussão e resulta em prejuízos para o consumidor.

SP e Porto Alegre voltam atrás na adoção de sacolas oxibiodegradáveis

Assim como faltam estudos, há, em geral, carência de maior discussão sobre políticas públicas na questão dos impactos ambientais das sacolas plásticas. Em São Paulo, o governador José Serra (PSDB) vetou o projeto de lei 534/07 apresentado pelo deputado Sebastião Almeida (PT), que previa a adoção obrigatória, pelo comércio do Estado, da disponibilização de sacolas oxibiodegradáveis.

O secretário de Estado do Meio Ambiente de São Paulo, Francisco Graziano Neto, chegou a escrever que o plástico oxibiodegradável “provoca um efeito visual, não ecológico. Um truque químico. Os aditivos que recebe esfarelam os polímeros derivados do petróleo, fazendo-os desaparecer a olho nu. Mas os resíduos permanecem perigosamente infiltrados no solo. Pior, ao serem decompostos, liberam o carbono de suas moléculas. Representam séria ameaça ao meio ambiente”.

Em Porto Alegre, a Câmara de Vereadores decidiu retirar de discussão projeto de lei com o mesmo intuito do vetado em São Paulo. Segundo o vereador Adeli Sell (PT), “fomos convencidos de que era uma furada porque o produto se deteriora em parte”. Sell afirma que “faz sentido” o projeto de Lei que tramita na Assembléia Legislativa gaúcha com o objetivo de melhorar a qualidade e reduzir a quantidade de sacolas plásticas disponibilizadas nos supermercados.

Conforme o vereador, a Câmara Municipal de Porto Alegre está rediscutindo o assunto. “Há uma grande confusão envolvendo os oxibiodegradáveis como se fossem perfeitos”, diz o vereador. Por outro lado, ele concorda que “não podemos usar tanto plástico. Temos que trabalhar de forma global, com educação ambiental. Na nossa cidade, sumiu a educação para a coleta seletiva, temos que retomar isto”, conclui.

(Cláudia Viviane Viegas, 19/08/2008)

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