Impossibilidade de legalização do aborto no Brasil desde sua proibição constitucional de ir à deliberação pelo Poder Legislativo

Este artigo foi escrito para o Livro Relatório Azul da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, em novembro de 2007, solicitado por Ofício 0745/2007 – CCDH, pelo Dep. Marquinhos Lang, Presidente desta Comissão. Tanto quanto possível, ele foi escrito com o objetivo de ser acessível ao maior número de pessoas e tinha sua extensão delimitada em número de caracteres.

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Original em PDF do Livro Relatório Azul de 2007

Aborto: debate na TV Justiça, no STF, em junho de 2007

Dr. Celso Galli Coimbra
Advogado,
OABRS 11352

www.biodireito-medicina.com.br

cgcoimbra@gmail.com


“The Constitutions is not what the Court says it is.
Rather is what people acting constitutionally through other branches
eventually allow the Court to say it is.”

John Rawls


É fato notório que todas as pesquisas de opinião pública sobre a legalização do aborto realizadas no Brasil até hoje apontaram elevado índice de contrariedade da população à “legalização do aborto”. Os representantes eleitos pelo povo brasileiro não devem ignorar este fato, como dissemos público e notório, se pensam em continuar se reelegendo. O expressivo índice de rejeição à “legalização do aborto” vem aumentando para os dias atuais [1, 9], e representa a vontade do povo brasileiro. Em instância alguma, esses mandatários foram eleitos para agir em prol da “legalização do aborto” neste país.

1. O que é criminalização do aborto?

Os artigos 124 a 128 do Código Penal tipificam como crime doloso (intencional) contra a vida a realização do aborto no Brasil. Há duas excludentes de punibilidade previstas no art. 128 do CP, quais sejam, a do aborto necessário, se não há outro meio de salvar a vida da gestante, e a do aborto no caso de gravidez resultante de estupro. Neste dois casos, não há que se falar “em aborto legal”, pois aborto legal não existe no Brasil, o que existe é a ausência de punibilidade para estas exceções.

2. Por que a insistência sobre “debater a legalização” do aborto?

Interesses econômicos e ideológicos estrangeiros [2] têm acionado com forte insistência a falácia da necessidade de “debate” sobre a “legalização do aborto”, através de governantes brasileiros, em completa desobediência com a obrigação de subordinação de todas as suas ações à Constituição Federal, subordinação imperativa ao exercício de seus cargos eletivos ou administrativos. Autoridades em qualquer nível e de qualquer poder do Estado agem como autoridades apenas se subordinados ao que a Lei lhes autoriza fazer, enquanto cidadãos podem agir com a liberdade de fazer o que a lei não lhes proíbe, pois estes últimos não estão investidos de poder representativo ou constituídos legalmente para qualquer exercício de autoridade pública, seja do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.

A falsa proposição de “necessidade de debate” tem como objetivo ardiloso induzir a população a pensar e aceitar que a “legalização do aborto” se trata de uma questão em aberto, dependente de “discussões”, decisão e, portanto, com a finalidade de promover, divulgar e banalizar a ignorância quanto ao fato de que a impossibilidade de sua legalização já foi debatida e definida como cláusula pétrea pela Assembléia Nacional Constituinte de 1988, legítima representante do povo brasileiro.

Assim, enquanto vigente a presente Constituição, não há mais o que possa ser “debatido” quanto à “legalização do aborto” no Brasil.

Há, em contraposição, o que deve ser respeitado em seus comandos constitucionais pelo legislador ordinário, pelos executivos, tribunais e seus membros, ministérios públicos e seus membros quanto à proibição de “legalização do aborto”. É vedada a apologia desinformadora da opinião pública quanto a “possibilidade de legalização” do aborto no Brasil [13].

Desde 1988, a norma de eficácia plena [2] do art. 5º, caput, da Carta Magna em vigor, confere uma ampla abrangência à proteção da vida humana desde sua individualização, que ocorre na concepção [8, 11]; o que, se não existisse nesta amplitude e desde este momento, precisaria necessariamente ser expresso pelo próprio legislador constituinte em sentido contrário, e implicaria negar a inviolabilidade de proteção à vida humana da qual dependem todos os demais direitos, inclusive o de ser parte legítima em Juízo, desde a concepção, para exigir-lhes respeito [3].

Não é estabelecida restrição à garantia desta inviolabilidade, em razão do mais importante dos pressupostos hermenêuticos-constitucionais: o postulado da supremacia da Constituição e o de sua máxima efetividade [2]. A tal se conforma o art. 2º do Código Civil de 2002, quando estipula que a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro [3]. Diante da constitucionalização do Direito, esta norma infraconstitucional de proteção à vida desde a concepção, posterior à vigência da Carta de 1988, não tem mais como ser considerada restrita aos direitos privados para meros efeitos de ordem civilista. Esta segmentação do direito em desvinculação com a Lei Maior não existe [21].

Com a consagração da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais mantidas pelo Estado brasileiro (art. 4º, II) na Constituição vigente, a ela foi acrescido o art. 4º da Convenção Americana dos Direitos Humanos (CADH), no ano de 1992, por força de sua incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto 678/1992, com hierarquia de norma constitucional de direitos humanos. Neste momento, integrou-se ao catálogo de direitos humanos brasileiros a expressa proteção da vida humana desde a concepção. Em 08.11.2002, o Decreto n0. 4.463 promulgou a Declaração de Reconhecimento da Competência Obrigatória da Corte Interamericana em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Desta forma, a indagação honesta cabível sobre a propalada “necessidade de debate” teria que ser, antes, quanto à possibilidade ou não do debate da legalização do aborto e, nunca, partir da falsa premissa de que a legalização é factível diante da Constituição em vigor. Mas o que vem sendo feito e estimulado nesta apologia à “necessidade de debate” tem como objetivo trivializar a idéia de desrespeito aos ordenamentos jurídicos constitucional e infraconstitucional do país sobre a questão aborto para poder de fato transgredi-los depois, quando surgir o cansaço para a reação tardia desta exigência, pois a vigência da Constituição depende também da “ação das pessoas em sua defesa” (“The Constitutions is not what the Court says it is. Rather is what people acting constitutionally through other branches eventually allow the Court to say it is”, John Rawls).

A indução persistente dirigida ao povo brasileiro para se descuidar de exigir com firmeza o respeito à sua Constituição tem como objetivo trazer para o Direito brasileiro legislação espúria, que não permita punição e cerceamentos à prática do aborto. Esta estratégia visa a proteger os executores do aborto e os seus financiamentos públicos e privados, que passam a ser concedidos onde quer que ele tenha sido legalizado, pois destes executores dependem os formidáveis lucros que as multinacionais da morte arrecadam na mercantilização do aborto.

A Planned Parenthood Federation of America (PPFA), a maior organização abortista do mundo, publicou seu relatório financeiro de julho de 2004 a junho de 2005, onde mostra que sua arrecadação total chega a quase 900 milhões de dólares. O relatório evita referir-se à quantidade de mulheres falecidas em suas clínicas como conseqüência dos abortos praticados legalmente [5], e falsamente oferecidos como “seguros”.

O projeto concebido no exterior [2] de tentativa de legalização do aborto no Brasil não tem como objetivo igualar mulheres pobres com mulheres ricas em uma prática criminosa, como ideologicamente também é sustentado para formação de opinião pública. Seu objetivo é abrir um livre mercado abortista seguro no Brasil. Ninguém, mediamente informado, ignora que o SUS não teria agendamento tempestivo para fazer “abortos legais” em mulheres pobres antes que a criança nascesse, ou ultrapassasse o período em que, eventualmente, pudesse fazer um aborto.

A legalização do aborto interessa ao complexo da indústria abortista e seus formidáveis lucros [5], que precisam ter garantida a proteção contra qualquer punição do executor do aborto para sua máxima expansão. Com uma “legalização” do aborto, a mulher pobre teria o filho na rua esperando na fila do SUS, ou teria que pagar por este aborto em clínicas inferiores, iguais às que já são freqüentadas por elas. Mulheres ricas, tão invocadas hoje em dia como comparativo de postulado de “igualdade” às pobres para abortar, continuarão abortando onde já o faziam.

3. A existência de proteção expressa à vida do nascituro no Direito começa pela proibição de deliberação de projetos de lei e emendas com conteúdo abortista

Norma específica da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), firmada pelo Brasil em 1992 e, por isso integrada ao catálogo de direitos humanos da Constituição Federal como cláusula pétrea por força do disposto no art. 5º, § 2º (“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República do Brasil seja parte.”) e § 3º (“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos […] serão equivalentes às emendas constitucionais.”), assegura a proteção à vida humana desde a concepção, no seu art. 4º: “Toda pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”

Diante destes mandamentos constitucionais, acrescidos pela integração da CADH ao constitucionalismo brasileiro, em 1992, verifica-se: (1) o nascituro, desde a concepção, passa a ser considerado pessoa para o direito, não mais apenas vida humana que já seria protegida por ele, e (2) seu direito à vida está protegido desde o momento da concepção sob o status de cláusula pétrea constitucional por ser preceito de direitos humanos, (3) o que significa que a vida do nascituro, desde a concepção, não pode ser desrespeitada sequer por emenda à Constituição, diante do art. 60, § 4º, IV, da CF: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.”

A Constituição está proibindo que projetos de lei e emendas de conteúdo abortista possam seguir para deliberação do Poder Legislativo [6]: a própria tramitação destes projetos, sejam de leis, sejam de emendas, não podem ir além da Comissão de Constituição e Justiça do Poder Legislativo, onde constatada esta inconstitucionalidade de conteúdo, eles terão que ser obrigatoriamente vetados e excluídos de encaminhamento para deliberação do Poder Legislativo Federal, por força do citado acima.

É um direito pétreo de proteção da vida humana, desde a sua concepção, a proibição de deliberação de leis ou emendas que comprometam a sua existência. Como a todo direito sempre corresponde uma ação judicial em sua defesa, caso aquele não seja respeitado, desde esta fase proibitiva de deliberação, cabe acionar o Poder Judiciário, sem que isto represente interferência alguma em outro poder, se a CCJ aprovar para deliberação do Poder Legislativo emenda ou projeto de lei que conflite com o art. 60, § 4º, IV, da CF.

4. Início da vida humana individualizada

A questão do início da vida também é um debate ocioso e sofismático, não apenas porque este início é fato pacificamente reconhecido na Embriologia, desde a primeira metade do século XIX [11] até o presente, como porque as cláusulas pétreas da CF estabelecem o momento da concepção como o da proteção da vida humana ali já individualizada, segundo o seu art. 5o, caput combinado com o art. 4º, da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH). A individualização da vida humana neste momento, e a plena pluripotencialidade celular de desenvolvimento completo e individualizado como ser humano, garantem o direito à vida a partir da concepção.

Para a Embriologia, o nascituro não representa o conceito, surgido na Roma Antiga [10], apontado pelos movimentos abortistas como “portio mulieris vel viscerum”; ou seja, vísceras das mulheres, das quais uma minoria no Brasil se pretende “proprietária” para atentar conta a vida a pretexto de ser “dona de seu corpo” e por uma inexistente questão de “dignidade”, enquanto suposto “direito absoluto” apenas da mulher diante de outra vida já concebida.

A grosseira analogia, que há quem faça com a “morte encefálica” para criar um “novo” e contraditório início da vida humana individualizada no período do desenvolvimento neural, sem qualquer bibliografia neurológica, apresenta a evidente incoerência de invocar o início do desenvolvimento específico das células neuronais providas de oxigenação (lembrando-se que desde concepção elas estão presentes em sua potencialidade plena), com o momento em que elas entram em processo de falência irreversível, causado por falta de oxigenação. Para impingir um conceito sem qualquer base científica, procuram seus defensores propor analogia, justamente, entre situações opostas.

“O embrião guarda em si todo o potencial de desenvolvimento, inclusive da personalidade, desde a fecundação. Se não for abortado, via de regra deverá completar seu desenvolvimento, passando também pelo estágio fetal, nascendo, atravessando a infância e a adolescência, desenvolvendo a própria personalidade talhada também pelas vivências afetivas, familiares e sociais que vier a experimentar, ocupando, finalmente, um lugar único na sociedade, integrando-a, influenciando-a, modificando-a pelo próprio comportamento e pela expressão das suas idéias. (…) Desde a fecundação o embrião comporta-se como um organismo unificado e individualizado, apenas transitoriamente dependente do organismo materno. Se não for abortado, seguirá mostrando ampla integração entre as células que o constituem, as quais se diferenciarão progressivamente, transformando-se nas células próprias de cada tecido, e que migram, interagem, se reorganizam continuamente, formando órgãos e sistemas que se desenvolvem e se mantêm trabalhando harmoniosamente para a sustentação da vida em um organismo autônomo e independente (…) Assim, a vida do embrião, mesmo no estágio anterior ao surgimento das células nervosas, nada tem a ver com ‘morte encefálica’ ou com um prognóstico de morte. Justamente ao contrário, desde a fecundação, o embrião guarda em si o prognóstico da continuidade do florescimento da vida humana em toda a sua complexa expressão – orgânica, afetiva, social, intelectual” [8].

Outros que argumentam que a vida humana teria uma proteção progressiva de acordo com seu desenvolvimento [14], esquecem que tal argumento contraria as legislações constitucional e infraconstitucional brasileiras, pois apenas o legislador constitucional tem competência legislativa para estabelecer progressão valorativa para a proteção dispensada à vida humana, estabelecida por ele de forma ampla e não relativa a qualquer fator de desenvolvimento, como querem sustentar estes autores.

Para fazer outra analogia sem sustentação com o aborto, há os que dizem que o homicídio é “permitido” em nossa legislação, “em alguns casos”. Incorrem eles em equívoco grave, pois homicídio é conduta excepcionada de punição em determinadas e específicas situações, mediante rigorosa produção de prova dentro de sede processual penal jurisdicional para demonstração de que ocorreu em situações excepcionais, tanto de fato como em sua tipificação jurídica postulada em defesa do réu. Como o aborto apenas admite-se sob modalidade premeditada, a improcedente analogia destes defensores do aborto é com o homicídio que não é premeditado e possui as excludentes relacionadas ao contexto da ação homicida. Como fazer analogia de homicídio como legítima defesa, que exige agressão injusta, contra um ser indefeso contra quem quer matá-lo?

O aborto sempre será premeditado nas situações que pretendem “legalizar”. Pergunta-se: como, então, quererem estabelecer “equivalência” entre situação específica de severa exceção quando não punido (homicídio) com o objetivo de estabelecer “lógica” supostamente daí proveniente com uma regra abortista que pretendem seja de uso geral permitido a todas que o desejarem praticar via uma “legalização” do aborto? Não existe correspondência na lógica e nem nos fatos que se apresentam neste argumento. Por acaso alguém afirmaria que o homicídio é legalizado no Brasil como regra para poder fazer esta analogia absurda?

Outra falácia, enquanto argumento em favor do aborto, é que a mulher é “dona de seu corpo ”. Este direito existe e não é absoluto, nem oponível como relativizador do direito à vida do nascituro, como se pretende, pois ela não é dona de seu corpo para eliminar outra vida, tanto quanto “não é dona de seu corpo” para exigir que um médico a mutile. É dona de seu corpo para decidir se vai ou não engravidar, seja descuidando-se ou não. Se para engravidar não exerceu esta “propriedade sobre seu corpo”, passará a existir outra vida tutelada para o direito desde a concepção, que gerará responsabilidades para mãe e pai, apenas com as exceções de punibilidade já previstas no Código Penal para as situações nele tipificadas. Moraes [35] ressalta que a Constituição protege a vida de forma geral, inclusive a uterina, pois a gestação gera um tertium com existência distinta da mãe, apesar de alojado em seu ventre. Esse tertium possui vida humana que iniciou-se com a gestação, no curso da qual sucessivas transformações e evoluções biológicas vão configurando a forma final de ser humano”. (…) A Constituição Federal, ao prever como direito fundamental a proteção à vida, abrange não só a vida extra-uterina, mas também a intra-uterina, pois qualifica-se com verdadeira expectativa de vida exterior. Sem o resguardo legal do direito à vida intra-uterina, a garantia constitucional não seria ampla e plena, pois a vida poderia ser obstaculizada em seu momento inicial, logo após a concepção [35].

5. A bem da verdade: o Relatório 23/81 do Caso 2141 não teria como revogar a CADH

No Relatório 23/81, do Caso 2141 contra os Estados Unidos da América, onde se examinou aborto autorizado pela Corte Suprema de Massachussets, Case Commonwealth vs. Dri Kenneth Edelin, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos [12], este Órgão Relator, portanto não jurisdicional, decidiu não encaminhar à Corte Interamericana de Direitos Humanos para julgamento, a acusação de que aquele país teria infringido o art. 4º. da CADH por permitir a prática do aborto. O Relatório 23/81 arquivou esta acusação porque os EUA não eram firmatários da CADH e não tinham, portanto, aceito subordinarem-se à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Ao contrário dos EUA, o Brasil é firmatário da CADH desde 1992. Seguem-se a este fato evidentes corolários [6, 7]:

1. um mero Relatório do Órgão não jurisdicional, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, não tem poder para revogar um artigo da CADH, como vem sendo propalado em defesa do aborto [13], quando é dito que este Relatório teria “revogado” o art. 4º, desta Convenção;

2. não há equivalência entre a situação constitucional e infraconstitucional interna do Brasil e dos EUA na questão aborto, visto este último país não ser firmatário da CADH [6, 12] e sua legislação interna permitir o abortamento;

3. ao contrário do que é afirmado por defensores do aborto, o Relatório 23/81 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu que não cabe à Corte Interamericana de Direito Humanos interferir em legislação interna de aborto de seus signatários, quando esta legislação interna já o permite, o que notoriamente não é caso do Brasil [6, 9, 12]. O Relator da Resolução, Dr. Andres Aguilar, no item 01 do Relatório assim se expressa [6, 9, 12]:

“1. La decisión de la mayoría no entra ni podría entrar a juzgar si es o no censurable desde el punto de vista religioso, ético o científico permitir el aborto y se limita correctamente a decidir que los Estados Unidos de América no ha asumido la obligación internacional de proteger el derecho a la vida desde la concepción o desde otro momento anterior al nacimiento y que por consiguiente mal podría afirmarse que ha violado el derecho a la vida consagrado en el Artículo 1 de la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre”.

Em português, tradução livre:

“A decisão da maioria não julga nem poderia julgar se é ou não censurável do ponto de vista religioso, ético ou científico permitir o aborto e se limita corretamente a decidir que os Estados Unidos da América não assumiram a obrigação internacional de proteger o direito à vida desde a concepção ou desde outro momento anterior ao nascimento e, por conseguinte, não se poderia afirmar que tenha violado o direito à vida consagrado no artigo 1 da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem”.

4. no caso do Brasil, como demonstramos neste texto [6], ocorreu, em 1992, a integração deste art. 4º da CADH, protetor da vida do nascituro desde a concepção, ao rol de direitos humanos da CF;

5. assim, uma vez acrescido à CF dentro do rol de direitos humanos, o art. 4º da CADH, torna-se impossível sua revogação até mesmo por emenda constitucional, diante do preceituado pelos seus arts. 5º, § 2º e § 3º, combinados com o art. 60, § 4º, IV, o que impede, da forma mais drástica possível, sequer a votação de leis com conteúdo abortista, pois já proíbe que projetos com conteúdo abortista sigam para deliberação do Poder Legislativo.

6. Problema de Saúde Pública é a legalização do aborto, não sua criminalização

Os efeitos fatais sobre a vida e a saúde das mulheres vêm sendo divulgados no Brasil como sendo causados pela clandestinidade dos abortos decorrentes de sua ilegalidade. Não é verdade. As autoridades públicas que se manifestam sobre estes aspectos estão desinformando a população com o único objetivo de defender a “legalização do aborto”, custe o que custar, para a saúde e a vida das mulheres brasileiras em atenção às exigências vindas do Exterior [2].

A Espanha legalizou o aborto há 22 anos.

Em 2005, em avaliação do período 1985-2005, no aniversário da legalização do aborto naquele país, o Instituto de Política Familiar (IPFE) relatou em pesquisa [15] que o aborto legalizado em território espanhol há mais de 20 anos, é a principal causa de morte humana, superando as masculinas por outras causas quaisquer, inclusive por doenças, acidentes, suicídios e homicídios, somadas às femininas por outras causas quaisquer, inclusive doenças, acidentes, suicídios e homicídios. Em outras palavras, somando todas as causas de morte entre homens e mulheres na Espanha, o número de mortes decorrentes do aborto legalizado ultrapassa o somatório de todos os demais juntos.

Como mostra a avaliação, a soma da mortalidade feminina do estudo do IPFE é aterradora. Em 2005, já ocorria um aborto a cada 6,6 minutos. Isto equivale, em cada três para quatro dias, ao desaparecimento de um colégio de tamanho médio. O número de abortos ocorridos na Espanha durante o período da sua legalização, corresponde aos anos de 2002 e 2003, tal como se nestes dois anos não houvesse um único nascimento.

No período de 1985-2005, constatou-se a redução crescente da faixa etária das abortantes, passando para a idade de 19 anos para menos.

No que concerne às doenças, os problemas de saúde por aborto legalizado ficaram acima de todas as outras enfermidades femininas e masculinas.

As autoridades de saúde espanholas combateram as demais causas de enfermidades com medidas preventivas, logrando resultados satisfatórios, mas ignorando as disfunções de saúde e mortalidade decorrentes do aborto legalizado.

Neste período, apesar dos vastos recursos financeiros investidos para assegurar “relações sexuais seguras” pelas administrações públicas espanholas, houve o fracasso total destes esforços, já que aumentaram consideravelmente os problemas de saúde e mortalidade por causa do aborto, além de aumentar a incidência do abortamento entre as adolescentes e dentro das minorias étnicas.

Em razão destes fatos, criou-se na Espanha a Associação das Vítimas do Aborto (AVA) [16]. A porta-voz da AVA, Esperanza Puente declara “que cuando abortó, hace más de 10 años, se lo plantearon de manera fácil, indolora, rápida. Pero lo que no me contaron fue la verdad: lo que me tocó vivir después fue un infierno inimaginable de dolor y sufrimiento. (…) Yo no fui libre para abortar: no me dieron ninguna información, no me dieron ninguna alternativa y luego me quedé sola. Tuve que buscar ayuda psiquiátrica privada porque la Seguridad Social me la negó. Hoy, ésta víctima del aborto sostiene que ‘el aborto no es salud y por eso tampoco puede ser un derecho de la mujer’ ” [16].

Nos EUA, entre 1976 e 1996, ocorreram, em decorrência da permissão para abortar, 31.497.000 (trinta e um milhões e quatrocentos e noventa e sete mil) abortamentos e a incidência dos mesmos foi expressivamente maior também entre minorias étnicas [36].

Mesmo quem queira ignorar a trágica história do aborto na Espanha, não poderá ignorar a concessão ao tema que a ONU, pela primeira vez, fez à sua problemática oficialmente. “The World Mortality Report: 2005” [19] é o primeiro relatório de tais dimensões feito pela Divisão de População da ONU e, de acordo com estes dados, as nações que legalizaram o aborto não experimentaram uma queda nas taxas de mortalidade materna. Nem têm taxas de mortalidade maternas mais baixas que aqueles países onde ainda é ilegal, segundo este Relatório.

Este Relatório da ONU mede as mortalidades materna e infantil, entre outras variáveis em todos os países do mundo, baseado na informação mais recente entre os anos de 2000 e 2004. Na melhor das hipóteses, considerando que os interesses estrangeiros em legalizar o aborto em países como o Brasil estão representados dentro da ONU também, este Relatório, com certeza, está comprovando que a legalização do aborto não é solução para questões de falsos dados de “saúde pública”, que exigem do governo brasileiro investimentos para cumprir com a obrigação de inclusão social, prevista no art. 3º, III, da CF:

“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (…) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.”

Tal não se faz, eliminando a pobreza pela eliminação de sua descendência, como é um dos objetivos do projeto abortista em andamento no Brasil. É conhecimento notório que a melhoria das condições socioeconômicas age como regulador da natalidade sempre e são indissociáveis do conceito legal de saúde pública.

Saúde pública não é apenas ausência de doença, como está expresso na Lei, nº 8.080/90, conhecida como Lei Orgânica da Saúde, em seu artigo 3º:

“A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais: os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.

Parágrafo único. Dizem respeito à saúde as ações que, por força do artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.”

Em 1920, na tentativa de conter os gastos públicos com a miséria através da desnatalidade, o aborto foi legalizado na União Soviética. Dezesseis anos depois, no ano de 1936, ele voltou a ser criminalizado, devido às graves conseqüências à saúde da gestante e os altos gastos daí decorrentes serem superiores ao que era pretendido economizar na redução da pobreza através do abortamento [33].

7. Manipulação dos dados de “saúde pública” para promover a legalização do aborto

Em 27 de junho de 2007, para induzir a população a crer que a legalização do aborto é um “problema de saúde pública”, segundo percepção ideológica, e não a legal já citada, do que seria “saúde pública”, o ministro da Saúde adulterou estatísticas, quando divulgou publicamente na mídia que o abortamento clandestino seria responsável por “mais de um milhão de abortos por ano”, como parte de sua estratégia para impulsionar a legalização deste procedimento no país, citando um polêmico relatório de pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (sem indicação da metodologia) ao invés de números oficiais do Ministério da Saúde, que dizem exatamente o contrário.

Segundo dados do Datasus, que também constam do site do Ministério da Saúde, 115, 152 e 156 são os números totais de mortes maternas anuais em 2002, 2003 e 2004 por gestações que terminam em quaisquer tipos de aborto, incluindo aí os abortos espontâneos, as rupturas de gestações tubárias, as molas hidatiformes, os produtos anormais de concepção e os abortos não esclarecidos. As mortes por falhas de tentativa de aborto provocado, as únicas realmente registradas como tais nos dados do Datasus, foram, respectivamente nestes anos de 2002, 2003 e 2004, em número de 6, 7 e 11 mortes [37].

Quando uma autoridade ministerial chega ao ponto em que o atual titular do Ministério da Saúde alcançou em promover publicamente informações falsas sobre assuntos pertinentes à saúde pública com o objetivo de transgredir a legislação constitucional, cabe ao Ministério Público exigir-lhe que, ou comprove suas informações de forma inquestionável, ou cumpra com as obrigações que sua função lhe subordina, pois esta manipulação de dados envolve a tentativa de opor, artificialmente, à questão da legalização do aborto o princípio da proporcionalidade.

8. Patologias associadas ao aborto em países onde é legalizado

Estudos documentam os perigos físicos e emocionais do abortamento nos Estados Unidos da América, onde todo o aborto é legal e praticado em “estabelecimentos de saúde legalmente autorizados”. O aborto legal é constatado como a quinta causa de morte materna no EUA [38].

É comum a insistência de que o aborto é mais saudável para as mulheres do que o parto. Porém, diversos estudos que examinaram os efeitos de aborto demonstraram precisamente o contrário. As mulheres que abortaram, freqüentemente enfrentaram problemas físicos e emocionais crescentes [33], incluindo abuso de drogas, doenças mentais, perda de fertilidade, perda de gravidezes posteriores [31] e câncer da mama.

O mais recente — e mais bem documentado — estudo sobre mortes relacionadas com o aborto, até esta data, é um estudo finlandês de 1997, financiado pelo Governo, que mostrou que as mulheres que abortam têm quatro vezes maior probabilidade de morrer no espaço de um ano do que as mulheres que dão à luz [38], o que é confirmado objetivamente pela história da mortalidade vinculada ao aborto na Espanha, publicada em 2005 [16].

O aborto foi também relacionado com vários problemas físicos de curto e longo prazo [39 a 43]. As complicações imediatas podem incluir perfuração uterina, infecção, hemorragia, embolia, complicações de anestesia, convulsões, lesões do colo uterino, choque endotóxico, febre, vômitos e sensibilização de Rh. Os problemas de longo prazo incluem infertilidade, problemas com gravidezes futuras, alguns tipos de câncer, e saúde geral mais baixa [38, 33, 31].

Estudos sobre a relação entre o aborto e o câncer da mama têm sido desprezados ou ignorados pela indústria do aborto e pela mídia. Mas investigadores descobriram que, ao interromper o crescimento das células nos seios da mulher durante o primeiro trimestre da gravidez, o aborto aumenta o risco de contrair câncer da mama [38].


9. A inaplicabilidade do princípio da proporcionalidade para legalizar o aborto

O critério da proporcionalidade impõe a obrigação de que o Poder Público utilize os meios adequados e interdita o uso de meios desproporcionais indispensáveis à preservação do interesse público. Em síntese, toda norma constitucional, além de seu aspecto operativo, permitindo, impondo ou proibindo algo, exige que a imposição de restrições observe o critério da proporcionalidade [20], em casos de colisão de direitos de igual hierarquia. O princípio da proporcionalidade deve observar três elementos constitutivos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

O primeiro elemento, o da adequação, já rejeita qualquer possibilidade com o direito fundamental e expresso à vida do nascituro desde a concepção frente a oposição de um suposto “direito” de abortar em vista da desproporcionalidade de ponderação de valores e danos. Haveria profunda diferença de ponderação entre o dano que seria produzido ao nascituro, se atendida como regra a pretensão de legalização de abortamento da gestante por simples vontade sua, considerando o que se verifica como prejuízos de um e de outro. Um perde a vida, outros assumem responsabilidades relacionadas com opções suas (nas quais, aqui, não se pretende examinar méritos) e continuam vivendo.

No âmbito da proporcionalidade, direito à vida só pode concorrer com outro direito à vida [9]. É por esta necessidade de equiparação ponderativa de valores, que tanto está se promovendo a ardilosa desinformação de que a vida da gestante dependeria de poder abortar legalmente, invocando-se dados falsos de “saúde pública”. Como vimos, nem isso é verdade, pelo contrário [15, 16, 18, 19, 33, 31, 36, 38 a 43]. Decorre que inexiste a igual hierarquia sequer em potencial, não fosse ela objetiva e expressamente retirada de um possível contexto de igualdade hierárquica para efeitos de aplicação deste princípio. Ressalve-se apenas o já previsto no art. 128 do CP, quando prevê a não punibilidade do aborto necessário, se não houver outro meio de salvar a vida da mãe.

Referências:

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3. CÓDIGO CIVIL, arts. 2º, 1609, 1799 e parágrafo único e 1.798, principiando pelo DIREITO À VIDA (Constituição Federal, art. 5º, Código Penal, arts. 124 a 128, I e II), direito à filiação (Código Civil, arts. 1596 e 1.597), direito à integridade física, direito a alimentos (Revista dos Tribunais, 650/220; RJTJSP, 150/906), direito a uma adequada assistência pré-natal, direito a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores, direito a receber herança (Código Civil, arts. 1.798 e 1.800, parágrafo 3o.), direito de ser contemplado por doação (Código Civil, art. 542), direito de ser reconhecido como filho, entre outros.

4. MIRANDA, H. S., Curso de Direito Constitucional, 5a. ed., Senado Federal, 2007, p. 101.

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(Clique em “informações de saúde”, depois clique em “estatísticas vitais – mortalidade e nascidos vivos”, depois clique novamente em “óbitos maternos – desde 1996” e selecione abaixo deste item a opção “Brasil por região e Unidade da Federação”. No quadro maior que se abre, selecione os seguintes campos: em Linha, selecione: “categoria CID 10”; em coluna, selecione “tipo causa obstétrica”; em Coluna, selecione “tipo causa obstétrica”; em Período, selecione “2002, depois 2003 e 2004”; em “seleções disponíveis”, selecione “grupo CID 10 – gravidez que termina em aborto”.)

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Mídia sobre aborto no Brasil: análise da comunicação online no discurso de ONGs feministas e da grande imprensa na perspectiva do Direito

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Dr. Celso Galli Coimbra
advogado, OABRS 11352;
https://biodireitomedicina.wordpress.com/,
Porto Alegre (RS)
cgcoimbra@gmail.com
Aborto: debate na TV Justiça, no STF, em junho de 2007

Professora Dra. Cláudia Viviane Viegas
Jornalista; mestre em Administração (UFRGS), doutora em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC),
Florianópolis/SC;
cldviegas@gmail.com
claudiav@egc.ufsc.br


Este trabalho foi selecionado em 2006 pela Rede ALCAR, no seu IV Encontro Nacional, para representar em nível nacional os escolhidos na categoria Mídia Digital. Sua reprodução não é permitida sem a permissão dos autores.

 

Endereço neste site:

https://biodireitomedicina.wordpress.com/2008/11/22/midia-sobre-aborto-no-brasil-analise-da-comunicacao-online-no-discurso-de-ongs-feministas-e-da-grande-imprensa-na-perspectiva-do-direito/

Resumo:


O debate sobre aborto, via de regra polêmico, tem polarizado ainda mais atenções em vários setores da mídia brasileira, nos últimos meses, face à proposição de projetos de lei visando à descriminalização desta prática. Considerado crime segundo o Código Penal brasileiro, mesmo em situações de exceção – risco de vida à futura mãe e estupro, casos em que é admitido mas não descriminalizado –, o aborto é objeto de discursos cujos argumentos não se auto-sustentam na perspectiva de uma análise técnica, envolvendo questões de Direito nacional e internacional. O presente artigo propõe a análise de discursos acerca do aborto, em periódicos de ONGs feministas brasileiras e em noticiários da grande imprensa nacional, em formato online. Tal análise baseia-se em referencial teórico da Análise do Discurso (AD) a partir de uma releitura da obra de Michel Pêcheux por Denise Maldidier. São tomadas categorias de AD, aplicadas aos textos dos periódicos online. O resultado desta primeira análise é confrontado com questões objetivas de Direito sobre o assunto, listadas a partir de uma revisão de trabalhos acadêmicos. Como resultado final, são apresentadas análises que consideram o nível de congruência entre discurso midiático e discurso jurídico sobre o tema, confronto do qual deriva o questionamento acerca da liberdade de discurso versus qualidade e veracidade de informação nesta área.

Palavras-chave: mídia online; aborto; Análise do Discurso; Direito.

Abstract:

Discussion related abortion, usually polemic, has polarized attention in several segments of Brazilian media, in last months, because of bill aiming to dismiss criminal feature of this practice. As a crime, according Brazilian Penal Code, even in exception situation – life risk to future mother and rape, cases in which is allowed but not discharged –, abortion is a discourse’s subject whose arguments can not support themselves from the point of view of a technical analysis, involving national and international Law. This article proposes discourse analysis concerning abortion, in Brazilian feminist NGO media, and in Brazilian mass media press, both online. Such analysis is well founded on Discourse Analysis (DA) from a reading of Michel Pêcheux theory by Denise Maldidier. Categories of DA are applied to online texts. Results from this firsts analysis are dealt with Law objective issues, chosen from an academic bibliographic review. As final result, analysis are presented which take in account agreement between discourses from media and from Law related to abortion. From this dealing, some questions arise about discourse freedom versus information quality and reliability in this field.

1 Introdução: debate recente sobre aborto no Brasil na perspectiva do Direito e na abordagem da mídia


A discussão acerca da descriminalização do aborto voltou com força ao noticiário brasileiro a partir do segundo trimestre de 2005, quando passou a ser divulgado o “(…) anteprojeto elaborado pela comissão tripartite montada em abril pelo governo federal para discutir a revisão da legislação punitiva do aborto” (COLUCCI, 2005 a). O assunto ganhou destaque nos últimos meses do ano, com a tentativa de colocar o projeto em pauta na Câmara dos Deputados. Existem várias proposições parlamentares com este mesmo objetivo, mas a mais polêmica é o projeto de Lei nº 1.135/91, de autoria dos ex-deputados Eduardo Jorge e Sandra Starling, cuja atual relatora é a deputada federal Jandira Feghali (PC do B/RJ). Tal documento prevê a liberalização do aborto sem que a gestante apresente qualquer justificativa.

Segundo Coimbra (2006 a), o aborto é considerado crime no Brasil, de acordo com ao artigos 124 a 128 do Código Penal , os quais excetuam a punibilidade, não a tipicidade, de tal prática somente em casos de estupro e risco de vida à gestante. Além disto, “a legislação brasileira garante todos os direitos do nascituro desde a concepção, o que é expresso pelo Código Civil – no seu artigo 2º.” (COIMBRA, 2006 a). O direito à vida humana é protegido também pelo artigo 5º da Constituição Federal como direito fundamental imutável até mesmo por emendas constitucionais ou leis ordinárias.

O artigo 2º do Código Civil brasileiro deixa claro que o nascituro tem direito à vida desde a concepção, sendo esta, conforme Barbosa (2001, apud COIMBRA, 2006 a), entendida como o momento “(…) em que se inicia a fecundação, e o embrião ou pré-embrião existe, com uma carga genética própria, desenvolvendo-se a partir daí, até a cessação da vida bio-psíquica-jurídica, a morte”. Embora não caiba ao Direito a definição do conceito de vida mas sim a sua proteção, o mesmo ampara-se em estudos da Embriologia, os quais definem a concepção como marco do início da vida humana individualizada. Pode-se mencionar entre esses estudos o da professora livre-docente Alice Teixeira Ferreira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que esclarece a indivisibilidade do ser humano desde sua fase de ovo (zigoto) até adulto.

Em 1839, Schleiden e Schwan, ao formularem a Teoria Celular, foram responsáveis por grandes avanços da Embriologia. Conforme tal conceito, o corpo é composto por células, o que leva à compreensão de que o embrião se forma a partir de uma ÚNICA célula, o zigoto, que por muitas divisões celulares forma os tecidos e órgãos de todo ser vivo, em particular o humano (TEIXEIRA, 2005).

Ainda segundo a pesquisadora:

Em 2002, na revista Nature, Helen Pearson relata os experimentos de R.Gardener e Magdalena Zernicka-Goetz, onde demonstram que o nosso destino está determinado no primeiro dia, no momento da concepção. Mais recentemente, também na Nature (2005), Y. Sasai descreve os fatores/proteínas que controlam o desenvolvimento do embrião a partir da concepção, descobertos por Dupont e colaboradores (TEIXEIRA, 2005).

O Direito brasileiro, baseado na Embriologia e no princípio de dignidade da pessoa humana, assegurado pela Constituição de 1988, considera que “o mais importante direito do nascituro é o direito à vida, pois todos os demais direitos inexistirão sem garantia da preservação da sua vida” (COIMBRA, 2006 a). Assim, a vida humana é protegida constitucionalmente desde seu estágio intra-uterino, e o nascituro é sujeito individual de direitos desde a concepção (art. 2º. Código Civil).

A veiculação de notícias sobre a discussão relativa à descriminalização do aborto no Brasil, em geral, caracteriza-se, na grande mídia online, por um caráter informativo e opinativo de pouca profundidade, que possibilita, quando muito, uma estrutura de ponto e contraponto entre indivíduos pró e contra o aborto – autoridades representativas dos respectivos segmentos. Não se dedica espaço ao alargamento das noções do Direito, especialmente do Direito Constitucional, as quais são fundamentais para a compreensão contextualizada da polêmica. Deixa-se de apresentar informações relevantes sobre aspectos técnico-jurídicos da tramitação das iniciativas voltadas à descriminalização do aborto. Um exemplo é a não divulgação de que o substitutivo do projeto de lei 1.135/91, da deputada Jandira Feghali, tem por objetivo suprimir os artigos 124 e 126 a 128 do Código Penal, com o que seria legalizada a interrupção da gravidez em qualquer estágio, e não até a 12ª semana, como consta na parte inicial do texto do mesmo substitutivo. A questão, neste caso, é que a supressão dos artigos está mencionada quase no final do texto do projeto, o que passou sem registro pela grande imprensa, inclusive online. Tal observação foi denunciada por Harada (CATOLICISMO, 2006) e reiterada por Coimbra (2006 b). Conforme Harada:


“O Projeto Matar e o Projeto Tamar: o Aborto” eu o escrevi, para mostrar como é contraditório esse mundo em que vivemos. O Projeto Tamar (tartarugas marinhas), desde 1980, protege a vida das tartarugas marinhas. A cada temporada são protegidos cerca de 14.000 ninhos e 650.000 filhotes. Se alguém destruir um único ovo de tartaruga, comete crime contra a fauna, espécie de crime contra o meio ambiente (Lei nº 9.605/98). Na Câmara dos Deputados, tramita o substitutivo ao Projeto nº 1.135/91, que pretende legalizar o aborto do nascituro até instantes antes do nascimento. Isso é assim, em face da pretendida revogação dos artigos 124, 126, 127 e 128 do Código Penal, ou seja, estamos diante de um verdadeiro “Projeto Matar”.
(CATOLICISMO, 2006).

No âmbito dos sites feministas, observa-se a utilização de expressões que denotam não observância ou ignorância do enquadramento criminal do aborto no Brasil, como “aborto legal”, e a recorrente tentativa de justificação da descriminalização do aborto sob a alegação do “princípio da dignidade”, do “direito ao próprio corpo” e dos “direitos reprodutivos”.

No que diz respeito ao termo “aborto legal”, juridicamente, ele está em desacordo não apenas com a legislação penal, mas com o princípio da inviolabilidade da vida desde a concepção, o qual está presente também no artigo 4º, inciso I do Pacto de San José da Costa Rica , do qual o Brasil é signatário desde 1992 e, desde então, passou a integrar o catálogo dos direitos fundamentais da Constituição Federal brasileira por constar em tratado internacional de direitos humanos firmado pelo governo brasileiro (COIMBRA, 2006 a).

Quanto ao “direito ao próprio corpo” da mulher, linearmente associado por essa mídia ao “princípio da dignidade” como justificativa de defesa do aborto, a hermenêutica jurídica o relativiza porque, neste caso, está em questão a garantia de um outro direito que se superpõe: o da vida do nascituro, que é protegida constitucionalmente. Assim: o enfoque da proteção exclusiva da vida da mãe, e excludente da vida do nascituro, não se admite em nosso Direito. Pois se assim não fosse, estaríamos também diante de uma violação ao princípio constitucional de igualdade entre seres humanos, que têm o mesmo direito à vida (COIMBRA, 2006 a).

Já no que diz respeito a “direitos reprodutivos”, a mídia feminista online costuma associá-los aos resultados de agendas de encontros como a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, ocorrida no Cairo (1994), e à IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Pequim (1995) . Contudo, os documentos resultantes desses eventos não associam direito reprodutivo a aborto, a não ser em casos em que esta prática é permitida por lei interna de um país. Segundo Coimbra (2006 a), a Conferência do Cairo “(…) insiste na necessidade do reconhecimento do direito ao planejamento familiar sempre ‘em respeito à lei’, expressão mencionada em vários de seus trechos, disponível no site da ONU, e na necessidade de valorização da família como base da sociedade”. E a Conferência de Pequim “(…) reafirma que ‘o direito de todas as mulheres a controlar todos os aspectos de saúde, especialmente sua própria fecundidade, são básicos para a potencialização de seu papel”. Ou seja: “Nada há que se refira ao abortamento. A insistência em invocar essas agendas como sugestivas do abortamento é improcedente” (COIMBRA, 2006 a). Soares (2003, p. 400), referindo-se aos resultados da Conferência do Cairo, destaca que “os países signatários desta conferência se comprometeram a garantir assistência ao abortamento nos casos previstos em lei (…)”.

Diante destas considerações, o presente artigo trata de analisar o discurso recente sobre aborto no Brasil por parte da grande mídia e da mídia feminista, ambas em formato online. Tal análise será baseada em referenciais da Análise do Discurso de Michel Pêcheux, sendo as categorias de análise discursiva relacionadas a algumas das premissas jurídicas já apresentadas nesta introdução.


2 Análise do Discurso sob a ótica de Pêcheux: categorias da AD e aproximação da abordagem jurídica sobre aborto no Brasil


A obra de Michel Pêcheux (1938-1983) é marcada pela riqueza interdisciplinar que abarcou ao longo de sua construção. Passa pela Lingüística de Saussure, pela consideração da possibilidade do discurso como algo automático, incorporando avanços da Cibernética dos anos 40 e 50, e pela associação entre ideologia e psicanálise, na tentativa de trazer o discurso do âmbito da língua, como estatuto científico, para a história do sujeito, como subordinado aos eventos históricos e fatos sociais.

No presente artigo, não se pretende esgotar a trajetória pela qual Pêcheux construiu o que atualmente são consideradas categorias discursivas cunhadas e/ou influenciadas pelo seu trabalho, mas apresentar um panorama que possibilite identificar e caracterizar algumas dessas categorias, consideradas relevantes para a análise do discurso presente em textos online da grande mídia e da mídia feminista, especificamente com respeito à recente discussão sobre a descriminalização do aborto no Brasil.

Segundo Maldidier (2003), que propõe a releitura da obra de Pêcheux, a primeira fase de seu trabalho (1969-1975) caracteriza-se como a busca por um instrumento automático, informatizado, que dê conta da análise de discursos segundo uma lógica totalmente descolada da subjetividade. Pêcheux trabalha, então, concentrado nos conceitos de “língua” e “fala” de Saussure, e trata de diferenciar discurso de texto. Assim, (…) o discurso deve ser tomado como um conceito que não se confunde nem com o discurso empírico sustentado por um sujeito nem com o texto, um conceito que estoura qualquer concepção comunicacional da linguagem (MALDIDIER, 2003, p.21).

Posteriormente, na concepção do discurso como algo exterior ao sujeito, Pêcheux desenvolve a noção de “condições de produção”, que reforça a idéia anterior, de que um discurso não pode ser analisado como um texto, pois ele não é unicamente uma letra morta, mas fruto de situações concretas, dentro de um período histórico, em um jogo de interesses que o fizeram aflorar.

À medida que evoluem seus estudos, sob interação da teoria lingüística de Culioli, no início dos anos 70, Pêcheux elabora a idéia de “formações discursivas” que estariam submetidas a determinações não-lingüísticas. Conforme Maldidier (2003), surgem as noções de “interdiscurso” como algo não-dito mas implícito na enunciação, e a “teoria dos dois esquecimentos”, retomada depois, na obra “Semântica e Discurso”.

O “primeiro esquecimento” corresponde ao o assujeitamento ideológico, inconsciente, pelo qual o sujeito pensa ser ele mesmo a fonte de sentido, não percebendo que a formação de sentido é exterior, influenciada por questões de natureza histórico-ideológica. E o “segundo esquecimento” refere-se ao assujeitamento pelo pré-consciente, aquele em que o sujeito constitui seus enunciados entre o dito e o não-dito (interdiscurso). A semântica passa a ser concebida como o ponto de relação entre filosofia e ciência das formações sociais. “Sentido e sujeito são produzidos na história, em outras palavras, eles são determinados” (MALDIDIER, 2003, p. 51).

Sob a influência de Louis Althusser, que aproximou ideologia e psicanálise, Pêcheux referencia a noção de “pré-construído” que, segundo Maldidier, fornece a ancoragem lingüística da tomada do interdiscurso. A acepção do pré-construído remonta, no contexto discursivo, a algo “que já estava lá”, antes mesmo da enunciação. Seria, numa analogia com a dicotomia língua/fala de Saussure, aquilo que estava presente antes de o sujeito enunciar, ou seja, a língua em si, as condições de possibilidade de uso da linguagem, em contraposição à fala enquanto efetividade desse uso, enquanto recorte da língua, numa situação real. Teoricamente, a noção do pré-construído diz respeito ao fato de que “(…) certas construções autorizadas pela sintaxe das línguas ‘pressupõem’ a existência de um referente, independentemente da asserção de um sujeito” (MALDIDIER, 2003, p. 35).

Além dessas relações entre “interdiscurso” e “pré-construído”, Pêcheux trabalha com as noções de “heterogeneidade” e “intradiscurso”. A “heterogeneidade” é alusiva à intrincação de formações discursivas nas formações ideológicas, onde aparecem as contradições do discurso. Trata-se da noção de que os discursos se produzem diferentemente a partir do mesmo, ou de que se podem designar coisas diferentes com as mesmas palavras ou expressões – tudo depende da noção ideológica, da maneira como o discurso organiza, em seu interior, a ideologia dominante. Já o “intradiscurso” é definido como o funcionamento do discurso em relação a ele mesmo, ou seja, uma espécie de elo entre o que se disse e o que se está para dizer, e que só pode ser articulado em relação ao interdiscurso.

A partir destas formulações de Pêcheux, propõe-se a esquematização de algumas categorias da AD e sua correlação com as abordagens técnico-jurídicas sobre aborto no Brasil, abordadas na Introdução do presente artigo, de forma a compor um quadro referencial para a análise dos discursos online da grande mídia e da mídia feminista relativos ao assunto. Este quadro será apresentado no próximo item, relativo ao método de análise.

3 Método e objeto de análise


A análise proposta parte da construção de um quadro de referência (Quadro 1), que propõe a representação da aproximação entre referenciais teóricos da AD de Michel Pêcheux, em categorias, e aspectos considerados relevantes, no Direito, para a análise do discurso recente, na mídia online, sobre descriminalização do aborto. Tais aspectos são designados tanto por meio de termos técnico-jurídico, presentes em legislação, quanto de expressões que aparecem nos discursos midiáticos que tratam das relações entre mulher e seu próprio corpo, no âmbito da questão reprodutiva.

Com base no quadro referencial elaborado, são analisados textos veiculados em formato online nas revistas Veja e IstoÉ e no jornal Folha de S. Paulo, bem como nos sites das organizações feministas Católicas pelo Direito de Decidir (CDD) e Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), com sedes em São Paulo e Brasília, respectivamente. O recorte temporal para a seleção dos textos baseia-se no período de 1º de julho a 31 de dezembro de 2005, quando foi intensificada a cobertura do debate em torno do projeto de lei visando à descriminalização do aborto no Brasil.

Para a coleta dos dados, efetuou-se a busca pelo termo “aborto” no período considerado, sendo retornadas 20 matérias da revista Veja, 56 da IstoÉ – a qual não possibilitou, em seu mecanismo de busca, a estratificação por data – e 51 do jornal Folha de S. Paulo. No site da organização CDD foi considerado um noticiário contendo duas matérias sobre o tema, selecionando-se uma, e no site da CFMEA foram verificadas as edições 146, 147 e 148 (julho, setembro e dezembro, respectivamente) da Revista Fêmea, publicada pela instituição, selecionando-se, igualmente, um texto.
É importante destacar que muitos dos textos encontrados numa primeira triagem não são significativos para a análise proposta, por não se referirem sequer indiretamente ao contexto da mesma . Assim, numa segunda triagem, tais textos foram desconsiderados e selecionaram-se os considerados mais representativos das categorias de análise propostas, observando-se que esta representatividade foi maior em relação a textos veiculados especialmente em novembro e dezembro, quando o projeto de lei esteve na iminência de ser discutido ordinariamente na Câmara dos Deputados.

4 Análise de discursos online sobre aborto no Brasil: grande mídia e da mídia feminista


Nas subseções 4.1 a 4.5, são reproduzidos trechos de sete textos em formato online: dois publicados na revista Veja, um na IstoÉ, dois no jornal Folha de S. Paulo, um no site da organização CDD e um no site da CFEMEA. Tais trechos, considerados focos de análise pelo conteúdo de sua formação discursiva, são analisados a partir das categorias e dos referenciais resumidos no Quadro 1.


4.1 Trechos de textos da revista Veja


Às vésperas da tentativa de apresentação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei que descriminaliza o aborto no Brasil – no final de novembro de 2005 –, a revista Veja não se preocupou em divulgar especificamente esta notícia, que ficou diluída em algumas frases de seu noticiário político. No entanto, publicou duas reportagens sucessivas sobre a questão do aborto em outros países – China e Estados Unidos. Foi, aparentemente, uma estratégia de abordar o tema sob a ótica do contexto em que o aborto é considerado legal. A primeira reportagem deste tipo foi veiculada na edição 1.930, de 9 de novembro, sob o título “Demografia – O país dos solteirões” e subtítulo “Terror em Linyi – Funcionários públicos obrigam mulheres a fazer abortos e esterilizações”. A matéria trata de fatos ocorridos em uma cidade do leste da China, onde o governo forçou 7 mil mulheres a fazer aborto ou a se submeter a cirurgias de esterilização. Ao final, é justificado o aborto legal como forma de controle da natalidade.

Na China, o aborto é legal e, em algumas regiões, até incentivado, como forma de conter o avanço demográfico. Em 1949, ano da criação da República Popular da China, o país contava com 540 milhões de habitantes. Vinte anos mais tarde, chegava a 800 milhões de pessoas. Entre o fim da década de 70 e o início dos anos 80, a população do país chegou a 1 bilhão. Como forma de conter esse aumento, o governo implementou um rígido programa de controle de natalidade. Sob pena de multas pesadas e outras sanções, os chineses foram proibidos de ter mais de um filho. Exceção feita aos pais de meninas, moradores de áreas rurais, e àqueles casais que geraram crianças com deficiências físicas. Ainda assim, a China conta hoje com 1,3 bilhão de habitantes (BARELLA, 2005).

Em edição sucessiva – número 1.931, de 16/11/2005 – Veja publicou entrevista com o economista norte-americano Steven Levitt, sob o título “O brilho do lado oculto das coisas”, em que reproduz uma análise dele, segundo a qual o aborto levou à queda da criminalidade nos Estados Unidos.
O lance mais ousado de Levitt foi sua análise da queda da criminalidade nos Estados Unidos nos anos 90. Ele descobriu um fator determinante dessa queda e que até então passara despercebido: a legalização do aborto, nos anos 70. No início da década de 80, chegou a ser realizado 1,6 milhão de abortos por ano. Com isso, preveniu-se o nascimento de uma legião de crianças pobres e indesejadas, geralmente filhas de mães solteiras – crianças que, pela fragilidade de sua situação familiar e social, teriam maior probabilidade de enveredar pelo crime na vida adulta. Em outras palavras, o crime diminuiu porque muitos criminosos não nasceram. Essa tese foi atacada por todos os lados. Os conservadores acusaram Levitt de ser um propagandista do aborto. A esquerda acusou-o de propor medidas racistas e eugenistas. Na verdade, Levitt não estava propondo coisa alguma: estava apenas analisando as evidências, de forma objetiva e sem preconceitos. (TEIXEIRA e MARTHE, 2005)

Verifica-se que as condições de produção de ambos os discursos não podem ser desconectadas do momento histórico do debate da descriminalização do aborto no Brasil. No primeiro texto, o interdiscurso presente, ou seja, o não dito, mas implícito, é que o aborto passou a ser praticamente uma forma de controle da natalidade, uma vez que ambos estão associados em tal discurso pela expressão “como forma de conter [o avanço demográfico/esse aumento]”. Assim, o que seria, tecnicamente, um direito reprodutivo – controle da natalidade – corre o risco de ser confundido com um ato que expressa uma heterogeneidade de si mesmo, por ser não controle, mas ação conseqüente da falha do controle da natalidade – no caso, o aborto. Isto, no contexto brasileiro, significa confundir direito (reprodutivo) com crime.

No segundo texto, fica visível o efeito do “esquecimento” inconsciente e pré-consciente, pois ao assumir que o economista “(…) estava apenas analisando as evidências (…)”, o autor da matéria “esquece” que o leitor pode interpretar a relação entre aumento do aborto e redução de criminalidade como algo reducionista – uma evidência apenas matemática, que não leva em conta outros fatores, mais complexos – e “esquece” que toca o limiar entre o dito e assumido – a relação entre aborto e redução da criminalidade – e o que tenta “desdizer” ou assumir que não disse, isto é, “que (…) Levitt não estava propondo coisa alguma (…)”.

4.2 Trechos de texto da revista IstoÉ


No período considerado, analisou-se a reportagem “Contagem regressiva” como a mais significativa para a análise proposta. Ela trata da tentativa de colocação do projeto de descriminalização do aborto em tramitação na Câmara dos Deputados, em 30/11/2005. Existem quatro trechos relevantes nesse discurso:

(…) Ela [a deputada Jandira Feghali, autora do projeto de lei] quer saber como pensam seus pares para então colocar em votação já na quarta-feira 30, o projeto que descriminaliza e autoriza o aborto até a 12ª semana de gravidez (HOLLANDA, 2005).

Neste trecho, omite-se o fato de que o texto do projeto com o substitutivo de Jandira Feghali, na realidade, propõe a descriminalização do aborto em qualquer etapa da gravidez porque, ao seu final, suprime os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto (COIMBRA, 2006 b). Contudo, não é possível afirmar a incidência em qualquer uma das categorias da AD, a não ser que o autor do texto tenha a consciência da omissão, com o que se poderia supor a existência de um “esquecimento inconsciente”.

Em dois trechos seguintes, o autor incorre na questão da heterogeneidade discursiva:
(…) decidiu conversar com cada um dos parlamentares da comissão, depois de perceber que a questão está enveredando para um confronto entre ciência e fé (HOLLANDA, 2005).

(…) está na hora de entender que o debate precisa deixar de ser passional e encarar o aborto não como uma questão criminal, mas de saúde pública. “Vinte e cinco por cento das mortes maternas ocorrem em conseqüência de abortos ilegais” (HOLLANDA, 2005).

Existe claramente uma contradição comum em ambos os trechos, pois, juridicamente, no Brasil, o debate decisivo sobre aborto é não uma questão entre ciência e fé ou um debate passional, mas uma discussão técnica entre o constitucional (direito fundamental à vida e desde quando ela é pela legislação protegida como um direito desta categoria) e o inconstitucional (ato contra a vida humana considerado crime – no caso, aborto). No primeiro trecho, constata-se novamente o “esquecimento” de que a produção do sentido, para o leitor, não ocorre necessariamente ao nível da oposição simplificadora proposta pelo autor do discurso – “ciência e fé” – e, no segundo, observa-se a flagrante heterogeneidade de descaracterizar o caráter criminal do aborto, e transgressor do catálogo de direitos humanos no Brasil, ao propor-se que ele não é uma questão criminal, “(…) mas de saúde pública” (HOLLANDA, 2005). Ao aludir ao aborto como “questão de saúde pública”, justificando que 25% das mortes maternas ocorrem em razão dos chamados abortos ilegais no Brasil, incorre-se em um interdiscurso cuja lógica seria: a autorização do aborto, como prática legal, o que implicaria na redução dessas mortes. O que não se informa é que em países onde o aborto foi legalizado há 20 anos, como na Espanha, tal prática já é a primeira causa de morte de mulheres, segundo informe do Instituto de Política Familiar (IPF), em um balanço que inclui o período de 1985 a 2005, publicado em 5/07/2005. Conforme o IPF, o aborto se tornou a principal causa de mortalidade na Espanha – onde é praticado um a cada 6,6 minutos. Ele mata mais que outras fontes de “disfunções externas”, como acidentes de tráfego, mortes por homicídio, suicídios, Aids ou drogas (BIODIREITO-MEDICINA, 2006).

Outro trecho que merece análise na matéria da IstoÉ é o referente ao juiz Roberto Lorea, que qualifica uma heterogeneidade.

Outro participante do debate, o jurista Roberto Lorea, confirmou a ausência de condenações pela Justiça e mostrou que a atual legislação brasileira fere a legislação Pan-Americana e precisa ser mudada (HOLLANDA, 2005).

Diferentemente do que afirma o juiz, na matéria, a legislação panamericana – não claramente referida por ele como o Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário desde 1992 – não admite o aborto e protege a vida humana desde a concepção (art., 4º, I). Quanto a essa legislação panamericana, ficou é estabelecido por Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, aprovado em 1981 por maioria de votos, constituindo-se em sua Resolução 23/81, no Caso 2141 contra os EUA, que este país não se subordinava a esta legislação panamericana porque não era seu subscritor, e que cada país deve obedecer à sua própria legislação interna em se tratando de aborto. Isto implica que não há como a legislação brasileira “ferir” a legislação panamericana, que apenas vale para um País se firmada e reconhecida por ele em tratado internacional (COIMBRA, 2006 a). O discurso do juiz, reproduzido pela revista, contém ainda um interdiscurso que pressupõe a não-condenação do aborto pela Justiça brasileira como argumento para descriminalizá-lo. Contudo, não é informado, no texto, por exemplo, que o Judiciário de Jaguaruna (a 189 quilômetros de Florianópolis) condenou, em novembro do ano passado, duas mulheres pelo crime de aborto praticado em 1996 (FOLHA ONLINE, 2005 a) e que uma mulher estava com júri marcado em 16 de março, por tentativa de aborto, em Cachoeira do Sul (RS) (JORNAL DO POVO ONLINE, 2006).

4.3 Trechos de textos do jornal Folha de S. Paulo


O jornal Folha de S. Paulo apresenta uma cobertura diversificada do debate sobre a descriminalização do aborto no Brasil, mas, como a mídia em geral, segue reproduzindo um tratamento equivocado de aspectos técnicos, especialmente interdiscursos em que a prática do aborto é tomada como direito humano ou direito reprodutivo, o que denota um pré-construído facilmente contestável e passível de ser destruído enquanto discurso que se pretende verdadeiro no âmbito da informação jornalística. Isto fica visível no seguinte trecho da matéria “Deputada adia votação de proposta de descriminalização do aborto”.

A assessora parlamentar em Saúde e Direitos Sexuais Reprodutivos do Centro Feminista de Estudos, Lisandra Arantes, afirma que o aborto é uma questão de saúde pública no Brasil, a primeira causa de mortalidade materna em Salvador e a quarta no país. “Por direito à saúde, pelo direito humano e pelos direitos reprodutivos, a mulher tem o direito de decidir [sobre o aborto]”, disse à “Agência Brasil” (FOLHA ONLINE, 2005 b).

Sob o ponto de vista do ordenamento jurídico brasileiro, não é possível considerar-se integrante dos direitos à saúde/humanos/reprodutivos o suposto “direito” ao aborto. Não existe, e nem pode existir, lei no Brasil que reconheça no aborto um direito, uma vez que a Constituição Federal determina como inviolável o direito à vida humana e o Brasil assinou o Pacto de direitos humanos de San José da Costa Rica em 1992, que protege a vida humana desde a concepção, tornando essa norma cláusula pétrea (imutável) porque a própria Constituição proíbe a abolição de direitos e garantias individuais, mesmo que por emenda constitucional. O catálogo constitucional dos direitos humanos no Brasil não acolhe o aborto como um dos direitos humanos (COIMBRA, 2006 a).

A matéria “Membro da OEA pede aval da igreja ao aborto”, também da Folha online, em que a advogada Leila Linhares Barsted trata a questão do aborto no mesmo plano dos direitos individuais, incorre nos mesmos impasses analisados no caso anterior:

“(…) a defesa do Estado laico e a defesa dos direitos individuais, como a questão do aborto, devem ser uma defesa intransigente de quem está defendendo democracia, cidadania, direitos humanos. Inclusive da Igreja Católica”, disse à Folha [a advogada Leila] (DANTAS, 2005).

Este discurso embute a pretensão – via intra e interdiscurso – de que direitos individuais existam somente para a gestante e não para o nascituro, como lhe garante o art. 2º do Código Civil, e que aborto seria um “direito individual” da gestante. Direito individual (de forma genérica) ou está previsto em lei ou não está proibido por lei para os cidadãos. O direito fundamental à vida existe por igual para o nascituro no que respeita à proteção de sua vida humana individualizada perante a lei desde a concepção, que está protegida também no catálogo constitucional de direitos humanos no Brasil e é direito individual imutável por leis ordinárias e emendas constitucionais, segundo determina o art. 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição, quando estabelece, quanto a ela própria (Constituição), que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (…) os direitos e garantias individuais”. Se legislação de hierarquia superior como a Emenda Constitucional não pode abolir direitos e garantias individuais, muito menos uma simples lei ordinária poderá fazê-lo, pois está abaixo desta hierarquia.. Observe-se que a Constituição não permite até mesmo a simples tramitação, como vem ocorrendo, no Poder Legislativo de um projeto de lei que, em seu conteúdo, incorra no que é proibido em seu texto. No art. 5º., parágrafo 2º, da Constituição de 1988 está a integração (no caso do direito à vida do nascituro, consolidada desde 1992) aos direitos humanos e garantias individuais os direitos humanos e garantias individuais dos tratados internacionais firmados pelo Brasil que protegem a vida do nascituro desde a concepção por não serem contrários à legislação interna brasileira: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Por outro o lado, o Supremo Tribunal Federal consolidou jurisprudência onde entende que os tratados internacionais de direitos humanos não podem entrar em conflito com a Constituição diante do princípio da soberania (COIMBRA, 2006 a).

4.4 Trecho de texto do site da CDD


O uso reiterado da expressão “aborto legal” ou “serviços de aborto garantido por lei” é comum no site da organização não-governamental Católicas pelo Direito de Decidir. Um exemplo é o trecho da matéria “CDD organiza dossiê sobre Aborto Legal”, veiculada em outubro do ano passado pela ONG.

Uma pesquisa que comprova como os serviços de aborto garantidos por lei ainda são vistos sob o prisma da ilegalidade. Esse foi o trabalho coordenado pela psicóloga Rosângela Aparecida Talib, doutoranda em Ciências da Religião, membro da organização não-governamental Católicas pelo Direito de Decidir (CDD) – entidade de caráter ecumênico que trabalha para a mudança nos padrões culturais e religiosos a partir do respeito à diversidade, a liberdade e a justiça (CDD, 2005).

Ao utilizar o termo “serviços de aborto garantidos por lei”, cunha-se claramente um interdiscurso que deixa margem à heterogeneidade, uma vez que mesmo nos casos de exceção legal, em que o aborto é não punível, ele não deixa de ser crime, o que significa que a formação discursiva “aborto legal” ou expressão similar é algo forçado em relação ao teor do que designa o sistema jurídico.

4.5 Trecho de texto do site do CFMEA


Assim como na grande mídia, os sites feministas insistem na correspondência entre saúde e direito “à interrupção voluntária da gravidez”, sempre sob a alegação de que a proibição desta leva à clandestinidade e à precariedade das condições de realização do aborto. É o caso do seguinte trecho da matéria “Aborto em pauta”, do Jornal Fêmea, produzido pela ONG CFEMEA.

Vale lembrar que 61 % da população mundial vivem em países em que o aborto é permitido, contrastando com apenas 26% que vivem em países aonde a interrupção voluntária da gravidez é completamente proibida. Esses dados nos levam à certeza da necessidade de revisão da legislação brasileira, que está entre as mais atrasadas e nocivas à saúde e vida das mulheres (JORNAL FÊMEA, 2005).

Da mesma forma como a matéria da revista IstoÉ, analisada no item 4.2, o trecho acima propõe-se um discurso contraditório, mas cuja própria contradição não fica clara para o leitor, pois não são oferecidos dados de análise mais amplos, como os de pesquisas científicas realizadas na Finlândia e publicadas em dezembro do ano passado na revista acadêmica BMC Medicine online, que indicam a ocorrência de traumas emocionais decorrentes da prática do aborto (BBC, 2005), ou os do Instituto de Política Familiar (IPF) da Espanha, correlacionando a incidência de elevadas taxas de morte por aborto, nestes países legalizado, com baixas taxas de morte, por outras causas, ou ainda o estudo de Francis e Brind (2006), que comprova aumento de risco de câncer de mama associado ao aborto.

5 Considerações finais


O presente artigo analisou, através da seleção aleatória de trechos de textos na mídia online geral e especializada, veiculados no segundo semestre de 2005, algumas relações de coerência e consistência entre tais trechos discursivos e pressupostos básicos do Direito nacional e internacional diante do projeto de lei que visa à descriminalização do aborto no Brasil, sob o ponto de vista de categorias da Análise do Discurso de Pêcheux. Constata-se que predominam formações discursivas nas quais o inter e o intradiscurso levam, em geral, ao desvirtuamento do sentido técnico-jurídico de princípios, normas e conceitos consolidados no sistema jurídico brasileiro, o que gera uma heterogeneidade na produção de sentido, que ocorre a partir do emprego ideologicamente direcionado de expressões como “aborto legal” ou similares, “princípio da dignidade da mulher”, “princípio do direito ao próprio corpo” e “direitos reprodutivos” em associação com o abortamento.

Alguns textos analisados induzem a correlações simplificadoras como aumento do aborto versus redução de criminalidade, ou aborto como controle de natalidade, ou direito a aborto como garantia de melhoria da saúde da mulher. Isto geralmente é facilitado à medida que são omitidas informações sobre as conseqüências, em termos de saúde pública, da legalização do aborto em países desenvolvidos, como Finlândia e Espanha. Apesar da limitação da amostra selecionada e de sua não representatividade estatística – a qual não foi colocada como pressuposto do trabalho –, a análise possibilita um questionamento preliminar para a correção de equívocos em que geralmente incorre o discurso midiático online sobre o tema do aborto dentro da legislação brasileira e abre caminho para futuros trabalhos nesta direção.

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A inconstitucionalidade da tramitação de legislação legalizadora do aborto no Brasil

Dr. Celso Galli Coimbra
Advogado OABRS 11352

Aborto: debate na TV Justiça, no STF, em junho de 2007

Proibida a reprodução total ou parcial
sem referência às fontes.

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Sumário

1. Introdução
2. O princípio da dignidade e o direito ao próprio corpo
3. Direitos do nascituro assegurados na Lei brasileira
4. A Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina do Conselho da Europa
5. Res. 23/81 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Caso 2141 contra os EUA
6. Conferências do Cairo e Pequim
7. Comitê de Direitos Humanos da ONU e o Caso KL contra o Governo do Peru, 2005
8. A posição da Comunidade Européia sobre o aborto, de 14 de dez. de 2005
9. O STF e a exegese da incorporação de direitos humanos na Constituição Federal
10. A incorporação do art. 4, I, do Pacto de San José aos Direitos e Garantias Individuais
11. Bibliografia

1. Introdução

Muitos juristas brasileiros vêm alertando para o fato de que a legislação abortista é inconstitucional e mais, que ela sequer poderia tramitar por estar incorporado aos direitos e garantias individuais o princípio da inviolabilidade da vida desde a concepção, a partir de 1992, de forma expressa, em vista do compromissamento do Brasil com o Pacto de San José da Costa Rica (art. 4o., I). Mesmo antes de 1992, de forma necessária, este direito e garantia fundamental já existia no Brasil, pois o artigo 5º da Constituição Federal é um dispositivo que outorga direitos fundamentais e sobretudo estabelece garantias à vida, que não teriam como ser direitos e garantias fundamentais se não se reportassem ao seu início, na concepção.

Insere-se na proteção constitucional o conteúdo do art. 2o., do Novo Código Civil, vigente desde 10 de jan. de 2002, que determina serem todos os direitos do nascituro protegidos desde a concepção. Enfatize-se que são todos os direitos do nascituro que estão garantidos, porque o referido artigo não fez restrições ou ressalvas a direito algum assegurado ao nascituro. O mais importante direito do nascituro é o direito à vida, pois todos os demais direitos inexistirão sem garantia da preservação de sua vida. Esse artigo do atual Código Civil tem o mesmo teor do art. 4o., do Código Civil anterior de 1916, o que representa a consolidação do reconhecimento do direito à vida do nascituro, desde a concepção, diante da Constituição de 1988, que erigiu como princípio mestre do Direito, a dignidade da pessoa humana.

Uma forçada discutibilidade quanto à questão nuclear do início da vida, no Direito brasileiro, estaria superada pela clareza do art. 2o., do Código Civil, quando protege os direitos do nascituro desde a concepção, onde fica indiscutível que para o legislador brasileiro a vida começa com a concepção. Nascer com vida, necessariamente, supõe existência de vida antes do nascimento e, no Brasil, desde a concepção.

Em sintonia sobre a relevante questão para o Direito da individualização da vida humana desde a concepção, o conhecimento científico tem entendimento pacífico em “(…) todos os textos de Embriologia Humana consultados, nas suas últimas edições, afirma-rem que o desenvolvimento humano se inicia quando o ovócito é fertilizado pelo es-permatozóide. Todos afirmam que o desenvolvimento humano é a expressão do fluxo irreversível de eventos biológicos ao longo do tempo, que só pára com a morte” [15, 16].

Já é de conhecimento comprovado da Embriologia que o nascituro não é apenas o apontado pelos movimentos abortistas como “portio mulieris vel viscerum”, ou seja, porção ou vísceras da mulher da qual uma minoria no Brasil se pretende proprietária para dispor da vida a pretexto de ser “dona de seu corpo” e por uma inexistente questão de dignidade, enquanto “direito absoluto” apenas da mulher diante da vida concebida. O nascituro é uma vida à parte e é vida humana desde a concepção que a gestante não tem como não respeitar porque é vida humana.

A médica e Professora Livre Docente da UNIFESP, Dra. Alice Teixeira Ferreira [15], informa que, em 2002, “(…) na revista Nature, Helen Pearson relata os experimentos de R. Gardener e Magdalena Zernicka-Goetz, onde demonstram que o nosso destino está determinado no primeiro dia, no momento da concepção. Mais recentemente, também na Nature (2005), Y. Sasai descreve os fatores/proteínas que controlam o desenvolvimento do embrião a partir da concepção, descobertos por Dupont e colaboradores. O embriologista Lewis Wolpert chega a afirmar que o momento em que o ovo começa a se dividir é o momento mais importante de nossa vida, mais que o nascimento, casamento ou morte. Tenta-se atualmente, através de uma retórica ideológica, justificar a morte de embriões e fetos com argumentos despidos de fundamentos científicos, tais como: ‘Não sabemos quando começa a vida do ser humano’. Pelo visto acima, não é verdade. ‘O embrião humano é um montinho de células’. Se fossem células comuns, certos pesquisadores não estariam tão interessados nelas [15]. São tão extraordinárias que dão origem a um indivíduo completo. ‘O embrião humano não tem cérebro e é comparável à morte cerebral’. Comparação absurda, pois a morte cerebral é uma situação irreversível – não há maneira de recuperar os neurônios mortos – e o embrião dis-põe das células pluripotentes, que vão originar o cérebro” [15].

A Dra. Alice Ferreira prossegue: em 1839, “(…) Schleiden e Schwan, ao formularem a Teoria Celular, foram responsáveis por grandes avanços da Embriologia. Conforme tal conceito, o corpo é composto por células, o que leva à compreensão de que o embrião se forma a partir de uma ÚNICA célula, o zigoto, que por muitas divisões celulares for-ma os tecidos e órgãos de todo ser vivo, em particular o humano” [15] (grifos nossos).

Suas conclusões são objetivas: “(…) o ser humano, desde o ovo até o adulto, passa por diversas fases do desenvolvimento (ontogenia), mas em todas elas trata-se do mesmo indivíduo que, continuamente, se auto-constrói e se auto-organiza. Por ser o ciclo do desenvolvimento humano relativamente longo, podemos perder a visão do todo, fixando-nos em suas partes. Daí o surgimento de estatutos que regulam fases da vida humana: o das crianças e adolescentes e o dos idosos” [15].

Face à autoridade dessas informações da literatura médica, está definido que desde a concepção existe uma vida individualizada, diferenciada das demais, o que é da maior relevância para o Direito, e para a questão do abortamento versus direito à vida. Pelos princípios da Constituição de 1988, a legislação infraconstitucional já ultrapassou a época em que a proteção à vida desde a concepção era vista predominantemente sob a ótica privativista e patrimonial civilista.

A professora de Direito Constitucional Dra. Maria Garcia avança em um sentido evidente dessa realidade, quando examina o tema do nascituro, ao dizer que a este “também não lhe podem atribuir deveres, obrigações, faculdade … e, contudo, o Direito prevê e estabelece direitos, personalidade jurídica e aqui, efetivamente, não importa adentrar a clássica divisão doutrinária da área civil (natalistas e concepcionistas) nem considerar se este ou aquele ordenamento jurídico não tenha acolhido a teoria concepcionista. Importa, sim, que o Direito admita essa possibilidade e que um sistema jurídico a consagre. Trata-se de uma realidade biológica de que a pessoa começa na concepção, inevitavelmente, no momento em que se inicia a fecundação e o embrião ou pré-embrião existe, com uma carga genética própria, desenvolvendo-se a partir daí, até a cessação da vida bio-psíquica-jurídica, a morte. Em outros termos, no momento biológico do início da vida – que é esta cuja inviolabilidade vem protegida na Constituição aqui, já em área de Direito Constitucional, e especificamente da Constituição Brasileira, área em que a divisão doutrinária da teoria civilista deve ficar ao largo, em face dos avanços da Biociência, haverá necessidade de rever o conceito privativista de pessoa humana. (grifos nossos)” [24].

Em “Introdução ao Biodireito” [23], Reinaldo Pereira e Silva analisa que tradicionalmente o Direito tem-se preocupado com a proteção do nascituro sob a ótica patrimonialista. No entanto, o moderno conceito de nascituro, está a impor igualdade de tratamento entre o conceito pré-implantatório e o conceito já implantado no útero da mulher, e inspira-se numa lógica não patrimonialista: “primeiro ser, depois ter” (Barrachi-na, apud Pereira e Silva).

2. O Princípio da Dignidade e o direito ao próprio corpo

A propósito do argumento abortista do “direito ao próprio corpo” da mulher diante de uma gestação, em “Direitos Humanos Fundamentais”, Alexandre de Moraes ressalta que a Constituição protege a vida de forma geral, inclusive a uterina, pois a gestação gera um tertium com existência distinta da mãe, apesar de alojado em seu ventre. Esse tertium possui vida humana que iniciou-se com a gestação, no curso da qual sucessivas transformações e evoluções biológicas vão configurando a forma final de ser humano”. (…) A Constituição Federal, ao prever como direito fundamental a proteção à vida, abrange não só a vida extra-uterina, mas também a intra-uterina, pois qualifica-se com verdadeira expectativa de vida exterior. Sem o resguardo legal do direito à vida intra-uterina, a garantia constitucional não seria ampla e plena, pois a vida poderia ser obs-taculizada em seu momento inicial, logo após a concepção [22].

O direito à dignidade da mulher, quando invocado pelos movimentos abortistas como permissivo suficiente para o direito absoluto ao aborto, entra em conflito com o direito fundamental à vida, retirando-lhe o núcleo essencial, devido ao máximo grau de sua relativização [8] e arbitrária restrição que passaria a lhe ser imposta. A arbitrária restrição ao direito à vida incorre, necessariamente, na negação da garantia do bem vida em seu início e, portanto, na exclusão da garantia de sua continuidade. Essa relativização não é aceita pela hermenêutica constitucional, que não acolhe o uso abusivo dos direitos [5].

Diante de nossa legislação constitucional, não há compatibilidade com a existência de legislação ordinária que comprometa ou restrinja o direito à vida de forma absoluta em seu início, como o faria a vigência de uma legislação de abortamento.

A conclusão é que toda restrição a direito fundamental deve ser excepcional e não transformar-se em regra infraconstitucional [5], como decorreria de uma legislação abortista. Uma legislação ordinária que autorize o aborto não estará em consonância com o princípio da dignidade nem da mulher nem da vida, senão na mera opinião leiga de uma minoria da população brasileira mobilizada por razões de ordem econômica, pois a dignidade da mulher não pode depender estritamente de poder abortar, mas de outros fatores socioeconômicos que lhe permitam decidir conscientemente engravidar, com os quais o Estado Brasileiro está em débito histórico por sistemática ausência de políticas sociais, onde não quer onerar recursos.

Prefere-se insistir na “legalização” abortista ao contrário de se exigir a melhoria das condições de vida da população. E a quem interessa tal direcionamento deste problema? Certamente não é aos brasileiros. Por oportuno, é importante salientar que nos EUA, entre 1996 e 1976, ocorreram, em decorrência da permissão para abortar, 31.497.000 (trinta e um milhões e quatrocentos e noventa e sete mil) abortamentos e que a incidência dos mesmos foi expressivamente maior entre minorias étnicas [27].

O enfoque da proteção exclusiva da vida da mãe, e excludente da vida do nascituro, não se admite em nosso Direito. Pois se assim não fosse, estaríamos também diante de uma violação ao princípio constitucional de igualdade entre seres humanos, que têm o mesmo direito à vida [17].

O Direito ao próprio corpo enquadra-se na análise da relatividade dos direitos [8] e, no caso de uma gestante, não é mais para seu corpo apenas que esse direito existe. Esse direito encontra limite na existência da vida do nascituro, que tem direitos protegidos na legislação brasileira, a principiar pelo direito à vida.

3. Direitos do Nascituro assegurados na Lei brasileira

A legislação brasileira garante os direitos do nascituro desde a concepção (Código Civil, arts. 2o., 1609, 1799 e parágrafo único e 1.798), principiando pelo DIREITO À VIDA (Constituição Federal, art. 5o., Código Penal, arts. 124 a 128, I e II), direito à filiação (Código Civil, arts. 1596 e 1.597), direito à integridade física, direito a alimentos (Re-vista dos Tribunais, 650/220; RJTJSP, 150/906), direito a uma adequada assistência pré-natal, direito a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores, direito a receber herança (Código Civil, arts. 1.798 e 1.800, pará-grafo 3o.), direito de ser contemplado por doação (Código Civil, art. 542), direito de ser reconhecido como filho [1], entre outros.

No art. 2o. do Código Civil, de 10 de janeiro de 2002, está um preceito fundamental, destinado à proteção da vida do nascituro, quando dispõe sobre o começo da personalidade civil, ao definir que “A personalidade civil começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Este preceito costumava ser interpretado de forma parcial, como apenas uma proteção de direitos patrimoniais ou econômicos stricto sensu e dos relacionados à honra e à liberdade. Entretanto, o texto da norma é amplo, pois põe a salvo, desde a concepção, todos os direitos do nascituro. Saliente-se, mais uma vez, que a lei preconiza esses direitos sem especificação e sem limitação. Assim, ela está protegendo todos os direitos, entre os quais o direito à vida, e desde a concepção.

Ao contrário do que afirmam os interesses econômicos abortistas, o nascituro é um ser humano, mesmo que ainda sem personalidade civil material. No Direito Romano, já estava definido que “infans conceptus pro nato habetur”, ou seja, “tem-se por nascido o infante concebido”. É indiscutível que o direito à vida está entre os direitos assegurados ao nascituro pelo art. 2o. do Código Civil, de tal forma que o Código Penal estabelece tipicidade e penalidades para a prática do aborto (arts. 124 e 127), excepcionadas pela relatividade os casos nele previstos literalmente como “não puníveis”, mas que continuam com tipicidade, que são o estupro e quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (art. 128), desde que feito por médico [1].

Ressalvar os direitos do nascituro, “desde a concepção”, como hoje assegurado na lei brasileira, é fórmula ampla, que deve ser preservada acima de divergências doutrinárias. Numa época em que se realça a amplitude dos direitos humanos, bem como a necessidade de defendê-los com energia, suprimir ou considerar discutível a cláusula “desde a concepção” seria, no mínimo, contraditório [1].

Registre-se, ainda, com a lição de Orlando Gomes, que “o direito de suceder do nascituro depende de já estar concebido no momento da abertura da sucessão (Sucessões, 6. Ed., Forense, 1990. P. 30) [1] e, nessa condição, ele pode ser parte representada em processo judicial.

4. A Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina no Conselho da Europa

Assinada em Oviedo, capital do principado de Astúrias, em 04 de abril de 1997, esta Convenção Européia concerne à concepção humana e assenta, em seu art. 1o., “que as partes na presente convenção protegerão a dignidade e a identidade de todos os seres humanos (grifamos) e garantirão a todas as pessoas, sem discriminação, o respeito pela sua integridade e pelos seus direitos e liberdades fundamentais face às aplicações da biologia e da medicina”.

Antes da aprovação desta Convenção, o Conselho da Europa já sancionara, em 24 de setembro de 1986, através de sua Assembléia Parlamentar, a Recomendação 1.046 que, em seu considerando V, reconhece que “desde o momento da fertilização do óvulo, a vida humana se desenvolve como um projeto contínuo, e que não é possível fazer uma distinção nítida durante as primeiras fases embrionais do seu desenvolvimento, e que a definição do status do embrião é, portanto, necessária”. As únicas intervenções aceitas por essa Recomendação relativas ao embrião, tanto in vitro como no útero, são para favorecer-lhe o nascimento [23], nenhuma para impedir-lhe o nascimento é admissível.

A Recomendação 1.100 do Conselho da Europa estabelece em seu considerando VII, que “é correto determinar a tutela jurídica a ser assegurada ao embrião humano, embora se desenvolva em fases sucessivas indicadas com nomes diversos (zigoto, mórula, blástula, embrião pré-fixado, embrião, feto), manifesta também uma diferenciação pro-gressiva do seu organismo, mantendo continuamente a própria identidade genética (grifos nossos) ” [23].

Diante dessas Recomendações do Conselho da Europa, pode-se afirmar que o nascituro tem personalidade jurídica formal no que concerne aos direitos da personalidade, visto ter a pessoa carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro, passando a ter personalidade jurídica material, quando ela alcança os direitos patrimoniais, que antes estavam em estado potencial, dependentes do nascimento com vida (Código Civil, art. 1.800, parágrafo 3o.) [1].

5. Resolução 23/81 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Caso 2141 contra os EUA

Articulistas que se consideram “forças progressistas” dos direitos humanos vêm utilizando como argumento em defesa da legalização do aborto no Brasil a Resolução 23/81, exarada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 1981, no Caso 2141 para os Estados Unidos, onde foi examinada uma situação de aborto autorizado pela Corte Suprema do Estado de Massachusetts, no Caso Commonwealth vs. Dr. Kenneth Edelin (Caso de Baby Boy) [12].

Segundo eles — o que não é verdade — essa Resolução da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 1981, teria “alterado” o art. 4o., inciso I, do Pacto de San José da Costa Rica, que protege a vida desde a concepção, “autorizando”, assim, a realização de aborto.

Porém, esses articulistas não estão dizendo a verdade, como demonstraremos analisando a Resolução 23/81 em seu texto original, que colocamos acessível a todos os que tiverem interesse em ler seu conteúdo, para poderem formar suas próprias conclusões [12].

Na realidade, que pode ser verificada no endereço [12] do Relatório desta Resolução, ela “não autoriza o aborto”, como dizem os defensores do abortamento, pois a Resolução 23/81 tão-somente restringiu-se a dizer que devia ser respeitada a legislação interna dos países (e as decisões de seus Tribunais), que NÃO tivessem se comprometido com essa obrigação por não serem subscritores do Pacto, sobre o momento do início da proteção da vida antes do nascimento. Por esse motivo, assim como porque os EUA não são signatários do Pacto de San José da Costa Rica, o Relatório da Resolução 23/81 não é encaminhado para julgamento da Corte Interamericana de Justiça.

No caso do Brasil, ao contrário, ele é signatário do Pacto de San José da Costa Rica, e a sua Legislação Interna Constitucional protege a vida e, ainda, INCORPORA [4] os acréscimos dessa proteção decorrente da assinatura de tratados internacionais às cláusulas pétreas de nossa Carta Política, o que traz como imperativo por não permitir até mesmo a tramitação de projetos de lei que tenham por objeto a alteração dessas cláusulas, como é o caso de PLs de abortamento que estão tramitando no Legislativo Nacional.

Em nossa legislação infraconstitucional, no art. 2o. do Código Civil, que é posterior a Constituição Federal, não pode estar mais claro: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Sem o direito à vida, o nascituro não teria qualquer outro direito assegurado. Logo, o primeiro direito que a legislação brasileira está protegendo é o seu direito à vida. E a Resolução 23/81 deixou claro que sustenta a decisão da legislação interna dos Estados quanto aos assuntos de abortamento.

Por isso, os escritores do abortamento não mencionam que o Brasil não somente é signatário desde 1992 deste Pacto, ao contrário dos EUA, que eles tomam como exemplo “progressista” em matéria de direitos humanos, mas também que o governo brasileiro reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos na década passada, o que permite aos brasileiros realizar consultas e requerer pareceres à Comissão.

É importante explicar uma questão processual simples de Direito Internacional Público, que diz respeito aos procedimentos da Corte Interamericana de Direitos Humanos. De acordo com seus Estatutos, ela não pode ser acionada para jurisdicionar violação de direitos humanos senão através de um relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos [4]. O caso 2141 contra os EUA não foi objeto de relatório para iniciar processo de julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos, porque este País não era signatário do Pacto de San José da Costa Rica.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos também funciona como órgão consultor, emitindo pareceres e relatórios, e nunca o movimento abortista brasileiro ousou consultar essa Comissão porque sabe que ela emitirá parecer de acordo com a legislação brasileira em interpretação consoante com o Pacto de San José da Costa Rica sobre o aborto, e a proteção da vida desde a concepção, que está em consonância com nossa legislação constitucional e infraconstitucional.

Este posicionamento está claro na Resolução 23/81 e inviabilizaria as pretensões abortistas/econômicas de uma minoria no Brasil, altamente dependente da manipulação de dados, fatos e argumentos, especialmente perante a mídia nacional.

O Relator da Resolução 23/81 assim se expressa:

“1. La decisión de la mayoría no entra ni podría entrar a juzgar si es o no censurable desde el punto de vista religioso, ético o científico permitir el aborto y se limita correc-tamente a decidir que los Estados Unidos de América no ha asumido la obligación internacional de proteger el derecho a la vida desde la concepción o desde otro momento anterior al nacimiento y que por consiguiente mal podría afirmarse que ha violado el derecho a la vida consagrado en el Artículo 1 de la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre (grifos nossos)”.

(…)

“4. Estados Unidos de América no es parte de la Convención Americana de Derechos Humanos o Pacto de San José, por lo cual la tarea primordial de la Comisión es determinar si en este caso ha habido o no violación de alguno de los derechos consagrados en la Declaración Americana de Derechos y Deberes del Hombre.”

“5. La opinión mayoritaria llega a la conclusión correcta, a mi juicio, de que no ha habido violación de ninguno de los derechos previstos en dicha Declaración. En efecto, de los trabajos preparatorios resulta claramente que el Artículo I de la Declaración, que es la disposición fundamental en este caso, elude la cuestión muy controvertida de la historia legislativa de este artículo permite concluir que la redacción que en definitiva fue aprobada es una fórmula de transacción que si bien obviamente protege la vida desde el momento del nacimiento deja a cada Estado la facultad de resolver en su derecho interno si la vida comienza y merece protección desde el momento de la concepción o en algún otro tiempo anterior al nacimiento.

Esta parte da decisão 23/81, reproduzida a seguir em Português também, é omitida pelos defensores do abortamento:

“(…) se é verdade que o artigo (4o., I) protege a vida desde o momento do nascimento, também o é de que ele deixa a cada Estado a faculdade de resolver em seu direito in-terno se a vida começa e merece proteção desde o momento da concepção ou em algum outro tempo anterior ao nascimento“. A interpretação da maioria dos membros da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, mesmo flexível, não favorece em nada, dentro do Brasil, o movimento abortista. A legislação constitucional e infraconstitucional brasileira protege o direito à vida desde a concepção (arts. 5o. da Constituição Federal e 2o. do Código Civil).

Prossegue o Relatório da Resolução 23/81:

“6. Siendo este el caso, la Comisión Interamericana de Derechos Humanos, que es un órgano internacional regional de promoción y protección de los derechos humanos con un mandato legal preciso, no podría, sin exceder los límites de este mandato, emitir un juicio de valor sobre el derecho Interno de los Estados Unidos de América o de cualquier otro Estado en esta cuestión.”

Na Resolução 23/81, não é demais repetir que, justamente, o argumento usado para não censurar os EUA por permitir o aborto em alguns de seus Estados Confederados é o de que esse País “não assumiu a obrigação internacional de proteger o direito à vida desde a concepção ou desde outro momento anterior ao nascimento e que, por conseguinte, não poder-se-ia afirmar que haveria violado o direito à vida no Artigo 1 da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem.”

Não é demais repetir que na situação jurídica interna do Brasil vigora o oposto: ele assumiu expressamente essa obrigação internacional desde o ano de 1992, quando subscreveu o Pacto de San José, sem reservas a essa disposição em particular, que preserva o direito à vida desde a concepção. Além disso, tal norma do Pacto de San José está plenamente de acordo com a legislação interna brasileira, o que é a exigência consolidada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como será examinado em outro tópico deste trabalho.

Segue o Relatório:

“8. Por las razones expuestas disiento, en este punto, del parecer de mis ilustrados colegas doctores Luis Demetrio Tinoco y Marco Gerardo Monroy Cabra. Comparto plenamente, en cambio, su criterio, apoyado en opiniones de reputados hombres de ciencia de que la vida del ser humano comienza en el momento mismo de la concepción y debería merecer desde este momento plena protección, tanto en el derecho interno como en el internacional.”

Nestes trechos conclusivos dos itens 06 e 08, o Dr. ANDRES AGUILAR explica por que houve votação por maioria da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para não acusar ou criticar outros países, em 1981, no Caso 2141 contra os EUA, que gerou a Resolução 23/81, por respeitar as legislações internas e a jurisdição interna do Estados que não se comprometeram com o Pacto de San José da Costa Rica, quanto ao momento em que a vida deve ser protegida antes do nascimento, levando em consideração o fato de que os EUA não subscreveu o Pacto de San José da Costa Rica, onde a vida ficou defendida em nível internacional desde a concepção para os que o subscreveram. Fica claro, também, que esta postura de respeito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos à legislação interna de cada país sobre o abortamento e defesa da vida desde a concepção vale para todos os países que assinaram o Pacto de San José, em sentido oposto, pois estes são signatários do Pacto.

Essa postura ética da Comissão Interamericana de Direitos Humanos está bem esclarecida pelo Dr. Andres Aguilar, no item 07 do Relatório da Resolução 23/81, quando salienta que os EUA “não assumiram essa obrigação internacional” ( … “se limita correctamente a decidir que los Estados Unidos de América no ha asumido la obligación internacional de proteger el derecho a la vida desde la concepción o desde otro momento anterior al nacimiento y que por consiguiente mal podría afirmarse que ha violado el derecho a la vida consagrado en el Artículo 1 de la Declaración Americana de los Dere-chos y Deberes del Hombre.” ).

Entretanto, na mesma conclusão, deixa claro o Dr. Andres Aguilar, que “compartilha o critério, apoiado em opiniões de conceituados homens de ciência de que a vida do ser humano começa no mesmo momento da concepção e deveria merecer desde este mo-mento plena proteção, tanto no direito interno com no internacional“.

O Direito interno brasileiro incorporou às cláusulas pétreas da sua Carta de 1988 essa posição de respeito à vida desde a concepção, quando assinou o Pacto de San José em 1992, tornando, assim, inviável a tramitação de legislação abortista em nosso país. Mesmo sem essa estipulação expressa, antes de 1992, a Constituição brasileira também não permitiria legislação abortista porque nela é o “direito inviolável à vida” um direito fundamental, que não precisaria de especificações expressas de ressalvas, uma vez que em hermenêutica constitucional não se admite interpretação restritiva a direito fundamental, como é o direito à vida.

Outro aspecto, que já estaria comprometido diante de todos esses fatos esclarecidos em suas fontes, é a sustentação pró-abortamento quanto à “exclusiva” [13] “competência para interpretar o pacto de São José ser da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (…)” [13], sem que se diga que, antes, que essa competência é do Poder Judiciário do Brasil, pois as regras de Direito Internacional Público sobre os procedimentos junto às cortes internacionais são objetivas em afirmarem o caráter subsidiário da competência destas cortes, que somente podem ser procuradas depois de esgotados os meios de solução disponíveis dentro do país.

O esgotamento dos recursos disponíveis no país de origem de uma possível lesão a direitos humanos é um dos requisitos estatutários de admissibilidade de um Caso pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos para relatá-lo e depois submetê-lo a julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos [4]. Portanto, a afirmação é falsa [13].

6. Conferências do Cairo e de Pequim

Esclarecemos que a “International Conference on Population and Development”, ocorrida no Cairo em 18.10.1994, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher: Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz, de Pequim, China, de 04 a 15 de setembro de 1995, NÃO tratam do aborto, e assim sequer é possível considerá-lo como “Direitos Reprodutivos”, invocando suas agendas.

A primeira insiste na necessidade do reconhecimento do direito ao planejamento familiar sempre “em respeito à lei”, expressão mencionada em vários de seus trechos, disponível no site da ONU, e na necessidade de valorização da família como base da sociedade. A segunda reafirma que “o direito de todas as mulheres a controlar todos os aspectos de saúde, especialmente sua própria fecundidade, são básicos para a potencialização de seu papel”.

Nada há que se refira ao abortamento. A insistência em invocar essas agendas como sugestivas do abortamento é improcedente.

Planejamento familiar ou controle de fecundidade não têm a mais remota equivalência com o abortamento. Quando ocorre essa confusão conceitual é sempre indicativo de confusão intencional.

Aborto nunca poderá ser considerado integrante de Direitos Humanos, porque uma vez ele aceito como tal eliminaria o direito à vida, aqui considerando a vida como já nascida, que depende necessariamente da proteção ao seu início, que é anterior ao nascimento enquanto fato científico e decorrência da lógica jurídica dessa proteção.

Sem proteção ampla ao direito à vida não existem direitos humanos. É de particular capciosidade a inversão no discurso pró-aborto quando ele utiliza o conteúdo oposto aquele que dá razão de ser historicamente ao desenvolvimento dos direitos humanos.

Todo discurso que invoque o aborto como “direitos humanos reconhecidos” ou reconhecíveis é falso e nunca foi sustentado por entendimentos internacionais que, no máximo, como foi demonstrado neste texto, chegaram a dizer que sobre o mesmo se deve “respeitar a legislação interna dos países”.

A marcante constatação sobre o discurso abortista no Brasil é que, ao contrário de ser analisada a realidade, o que de fato ocorre é a divulgação aquilo que se pensa. E sus-tenta-se esse pensamento como “realidade progressista”, rotulando de ação de forças conservadoras a análise dos fatos.

7. Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas e seu primeiro caso de aborto – KL contra o Governo do Peru, 2005

As decisões internacionais que violarem a normatividade e princípios de nossa Constituição Federal não têm acolhida no território brasileiro, como vem reiteradamente decidindo o Supremo Tribunal Federal, onde a jurisdição emerge do principio da territorialidade, especificamente diante de decisões estranhas ao pacto de convivência política e social presente em nossa Carta Política. Tal registro vale, inclusive, para a decisão recente do caso KL versus o governo do Peru.

No mês passado, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas decidiu seu primeiro caso de aborto, oportunidade em que Luiza Cabal, diretora do Programa Legal Internacional do Centro de Direitos Reprodutivos, afirma equivocadamente que “Todas as mulheres que moram em qualquer um dos 154 países que são partes deste tratado, incluindo os Estados Unidos, agora possuem um instrumento legal para a defesa de seus direitos”. Fez ela, entretanto, a rápida ressalva, que não foi veiculada na mídia: “Where abortion is legal it is governments’ duty to ensure that women have access to it (“Onde o aborto é legal é obrigação do governo assegurar às mulheres seu acesso a ele”) [21].

Os movimentos abortistas usam a decisão mencionada perante a mídia como se ela fosse permissiva de aborto por razões econômicas em sentido amplo. Não é verdade, mais uma vez, houve a ressalva que já vem desde 1981: “onde o aborto é legal é obrigação do governo assegurar às mulheres seu acesso a ele” [21].

É deixado de lado, diante da mídia, o fato decisivo que a legislação peruana já permitia o aborto, o que a nossa não pode permitir por força da extensão da proteção ao direito à vida e aos direitos do nascituro, assegurados no Brasil desde a concepção.

Esta recente decisão contra o Peru segue a mesma linha da Resolução 23/81 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no Caso 2141 contra os EUA, em 1981, quando considerou-se que devia haver sempre respeito à legislação interna de cada país em assuntos de abortamento, observando o que dispõe a legislação interna de cada país sobre o momento do início da vida. A decisão concerne a um caso em que a vida da mãe corria sério risco pela continuidade da gestação, hipótese que o Direito Brasileiro já contempla como exceção não punível, no art. 128 do Código Penal. Menciona o julgamento sobre o caso decidido: “The pregnancy severely compromised her physical and psychological health”.

8. A posição da União Européia sobre abortamento, requerida pelo Parla-mento Europeu para a EU Network of Independent Experts on Funda-mental Rights, Opinion n. 4-2005, 14 de dezembro de 2005

No mesmo sentido da Resolução 23/1981 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos é a conclusão referente à União Européia, requerida pelo Parlamento Europeu, para a EU Network of Independent Experts on Fundamental Rights, Opinion n. 4-2005, de 14 de dez de 2005 [20]:

“(…) It concluded that EU member states have an obligation under international human rights law to regulate providers’ invocation of conscientious objection so as to ensure that no woman is deprived of an abortion in circumstances where the procedure is legal (grifos nossos).”

Assim, sempre foi reiterada, sem exceções, a ênfase para o respeito à legislação interna sobre assuntos de abortamento, que foi exarada pela primeira vez em 1981 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e NUNCA foi alterada sob o prisma dos direitos humanos neste assunto, em qualquer corte internacional. E, como podemos constatar a seguir, é a mesma posição do Supremo Tribunal Federal, sobre tratados internacionais.

9. O Supremo Tribunal Federal e a exegese da incorporação de direitos hu-manos na Constituição Federal através de tratados internacionais

A Constituição de 1998, em seu art. 84, inciso VIII, determina que é da competência privativa do Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. Por sua vez, o seu o art. 49, inciso I, estipula ser da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais.

Dessa forma, consagra-se em nosso Direito a interação entre Executivo e Legislativo na conclusão de tratados internacionais, que somente se aperfeiçoam quando a vontade do Poder Executivo, manifestada pelo Presidente da República, que os celebra, e a vontade do Congresso Nacional posteriormente os aprova. A convergência formal da vontade desses dois poderes é indispensável para a conclusão e validade de tratados internacionais [18].

No que concerne à hierarquia dos tratados internacionais no Direito brasileiro, a Constituição Federal acolhe um sistema misto para conjugar regimes jurídicos diferenciados. Um refere-se aos tratados de direitos humanos e outro aos tratados comuns ou convencionais. O primeiro tem validade de norma constitucional e o segundo de norma infraconstitucional ou ordinária.

Ao final da extensa declaração de 77 direitos e garantias fundamentais, a Constituição Federal estabelece que os direitos e garantias nela expressos “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (grifamos), ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte“.

Ao promover expressamente tal incorporação, a Constituição atribui aos direitos internacionais relativos a direitos humanos uma hierarquia de norma constitucional fundamental no Brasil, nos arts. 5o. parágrafos 1o. e 2o., enquanto os tratados internacionais referentes à matéria estranha a direitos humanos têm o mesmo status de lei ordinária ou infraconstitucional, nos termos de seu art. 102, III, b, que admite a proposição de recurso extraordinário de decisão que declarar a inconstitucionalidade de tratado.

Diante do princípio de Direito Internacional Público da exaustão dos meios internos de julgamento à violação de direitos humanos consignados em tratados internacionais, o Supremo Tribunal Federal, quando jurisdicionou sobre a matéria, assumiu reiteradamente a posição de que mesmo tratados internacionais de direitos humanos não podem contrariar a Constituição brasileira [4].

No julgamento do Habeas Corpus 72.131-RJ, em 22.11.1995, o Ministro Celso de Mello assim expressa-se em seu relatório: “Parece-me irrecusável, no exame da questão concernente à primazia das normas de direito internacional público sobre a legislação interna ou doméstica do Estado brasileiro, que não cabe atribuir, por efeito do que prescreve o art. 5o., parágrafo 2o., da Carta Política, um inexistente grau hierárquico das convenções internacionais sobre o direito positivo interno vigente no Brasil, especialmente sobre as prescrições fundadas em texto constitucional, sob pena de essa interpretação inviabilizar, com manifesta ofensa à supremacia da Constituição (…) o próprio exercício pelo Congresso Nacional, de sua típica atividade político-jurídica consistente no desempenho da função de legislador (…). A indiscutível supremacia da ordem constitucional brasileira sobre os tratados internacionais, além de traduzir um imperativo que decorre da própria Constituição (art. 102, III, b) reflete o sistema que, com algumas poucas exceções, tem prevalecido no plano do direito comparado” [19].

Esse entendimento foi posteriormente reiterado nos julgamentos do Recurso Extraordi-nário 206.482-SP, no Habeas Corpus 76.561-SP, Plenário, 27.05.1998 e no Recurso Ex-traordinário 243613, de 27.04.1999 [19].

Conclusão 1: essas decisões do STF não admitem que tratados internacionais subscritos pela Brasil, mesmo os de direitos humanos, entrem em conflito com a legislação brasi-leira, em especial a legislação constitucional.

Conclusão 2: no que concerne ao art. 4o., I, do Pacto de San José da Costa Rica que garante o direito à vida ao nascituro desde a concepção, a orientação vigente do STF apenas o confirma, porque essa norma internacional subscrita pelo Brasil, e incorporada à Constituição Federal como direito fundamental, não entra em conflito com a legislação brasileira constitucional e infraconstitucional, onde já se garante o direito à vida no art. 5o., caput, de nossa Carta Política, e todos os direitos do nascituro, desde a concepção, no art. 2o., do Código Civil brasileiro.

Conclusão 3: é evidente que essa decisão também confirma a regra de Direito Constitucional de que direito fundamental, como o é o direito à vida, e o que a eles forem incorporados por tratados internacionais que não contrariem a legislação constitucional e a infraconstitucional, não pode ser alterado sequer pelo Poder Legislativo e, certamen-te, com muito mais fundamento, não poderá ser alterado por tratados internacionais posteriores.

10. A incorporação do artigo 4o., inciso I, do Pacto de San José da Costa Rica aos direitos e garantias individuais da Constituição Federativa do Brasil

No sistema interamericano de direitos humanos, o instrumento de maior importância é a Convenção Americana de Direitos Humanos. Esta Convenção foi assinada em San José, Costa Rica, em 1969, e entrou em vigor em 1978. Apenas Estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) têm o direito de aderir à Convenção Americana. A Convenção Americana de Direitos Humanos foi adotada em 1969 em uma Conferência Intergovernamental celebrada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) [4].

A Convenção Americana reconhece e assegura um catálogo de direitos civis, políticos e humanos que se acrescentam à legislação dos países signatários, os quais assumem o compromisso de cumpri-los dentro de suas jurisdições territoriais.

O Brasil assinou esta Convenção em 1992.

No art. 4o., I, do Pacto de San José da Costa Rica, é assegurado o direito à vida desde a concepção.

No art. 5o., caput, da Constituição Federal, como já foi mencionado, existe como direito e garantia fundamental inviolável, assegurado em território brasileiro, o direito à vida, que ao contrário de interpretações restritivas dos movimentos abortistas, não admite que a mesma em seu início possa ser excluída de proteção.

Tanto é correta essa fundamentação que o Novo Código Civil brasileiro, de 10 de janeiro de 2002, manteve expressamente a proteção a todos os direitos do nascituros “desde a concepção”, tal como está também no art. 4o., I, do Pacto de San José e em consonância com a abrangência da proteção à vida da Constituição Federal.

O art. 5o., parágrafo 2o., da Constituição Federal preceitua que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Essa última norma, portanto, inclui de forma automática a vigência de regramentos de direitos humanos decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, incorporando-os ao rol de direitos e garantias fundamentais, como ocorreu com o art. 4o., I, do Pacto de San José, que explicitou o momento em que a vida passa a ser protegida como sendo a partir da concepção.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal do Brasil não aceita vigência em território brasileiro para acordos e tratados internacionais que contrariem a nossa legislação constitucional e infraconstitucional por “não estarem de acordo com os regimes e princípios adotados na Constituição”, mas no caso da proteção da vida desde a concepção, essa jurisprudência vem proporcionar sustentação ao disposto no art. 4o., I, do Pacto de San José, porque sua previsão de proteção da vida desde a concepção está inteiramente de acordo com o art. 5o., caput, da Constituição Federal, e o art. 2o., do Código Civil brasileiro, que protege expressamente todos os direitos do nascituro desde a concepção, inclusos os não patrimoniais.

A argumentação, que já foi objeto de detida análise quanto a uma inexistente mudança feita pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 1981, dos termos do art. 4o., I, do Pacto de San José, para excluir a defesa da vida “desde a concepção”, no Caso 2141 contra os EUA, que originou a Resolução 23/81, como vimos, não é verdadeira por utilizar dados falsos [13].

Ao contrário, este Caso 2141, conforme o Relatório da Resolução 23/81, que tivemos o cuidado de reproduzir com indicação de fontes, reforçou a posição da legislação brasileira na defesa da vida a partir da concepção, porque nossa legislação constitucional e infraconstitucional não foi contrariada em nada, foi, isto sim, ratificada e explicitada mais do que já era quanto a esse assunto.

O fato falso, que textos abortistas divulgam, seria que essa Resolução teria autorizado o aborto. Afirmar isso é falta de verdade para a qual não se pode invocar a “ignorância” de conteúdo [13]. O seu Relatório 23/81 decidiu por não interferir em julgamento transcorrido nos EUA, apenas porque (a) este País não era firmatário do Pacto de San José e (b) porque foi assumida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos que não haveria interferência com a legislação interna de cada país, mesmo signatário do Pacto, em assuntos de abortamento. Essa posição, que ainda hoje é a tônica das manifestações internacionais sobre o abortamento, de forma alguma “está autorizando o aborto”, como foi declarado [13].

Assim, verifica-se que, não fossem suficientes as disposições claras da legislação brasileira quanto à proteção da vida como direito desde a concepção, ainda temos a incorporação do art. 4o., I, do Pacto de San José, que diante do que estipula o art. 60, parágrafo 4o., inciso IV, da Constituição Federal, torna proibida a simples tramitação de projetos de legislação abortista no Poder Legislativo Brasileiro.

No art. 60, parágrafo 4o., inciso IV, da Constituição Federal está presente a seguinte proibição: “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais” (grifos nossos).

Diante deste conjunto de regras constitucionais, não há constitucionalidade na tramitação de qualquer projeto de lei ou mesmo de emenda à Constituição que implique na RESTRIÇÃO ou alteração da abrangência da proteção do direito à vida que vigora no Brasil, e começa na concepção.

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